AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 4 de julho de 2017

CHUMBAR OU NÃO CHUMBAR

Tal como sucedeu no ano passado a imprensa de hoje refere que as escolas utilizam com diferente latitude, por assim dizer, as disposições legais no que se refere à excepcionalidade do “chumbo escolar” nos anos não terminais de ciclo. São divulgados exemplos de alunos que passam com quatro ou mais notas negativas. O Secretário de Estado da Educação acredita na ponderação realizada pelas escolas, pelos professores, nas decisões sobre avaliação e na sua bondade. Por outro lado e sem estranheza, emergem os comentários falando do “passar sem saber” da “pressão para compor estatísticas”, de "têm que chumbar e trabalhar mais", de "facilitismo", como não podia deixar de ser, etc.
Também o ano passado comentei isto mas … voltemos ao assunto.
Sempre que se reflecte sobre estas questões insisto que a questão essencial me parece ser o efeito da retenção e menos os critérios da retenção.
Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.
Insisto, chumbar não melhora os resultados dos alunos independentemente de situações individuais bem-sucedidas.
O peso insustentável da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de "cultura da retenção". Importa ainda considerar o impacto económico desta cultura como evidenciou um estudo recente realizado pela associação Empresários pela Inclusão Social e pelo Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa.
Confesso sempre alguma surpresa quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber".
Como me parece evidente não é dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram. Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores. O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Os alunos que “passam sem saber” e a quem por razões de natureza diferente, recursos por exemplo, não é disponibilizado apoio nos anos seguintes, ou os alunos que são retidos sem que no ano seguinte também e pelas mesmas razões não acedem nos anos seguintes a apoios adequados e competentes estão condenados ao insucesso e à exclusão. Repito condenados à exclusão, quer “passem sem saber” quer chumbem porque “têm de trabalhar mais” e não “podem passar sem saber”.
Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Talvez seja de recordar que também a imprensa de hoje refere que 25% das famílias portuguesas com filhos com menos de 15 anos revelam “insegurança alimentar”, ou seja e de forma mais clara, têm dificuldade em aceder a alimentos, algo de preocupante. Também sabemos que miúdos que passa mal aprendem pior e chumbar só para não “passarem sem saber” ou “passarem sem saber” e esperar que melhor só por … não tem bom resultado.
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que temos de fazer acontecer em Portugal.

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