AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 12 de maio de 2017

EPPUR SI MUOVE

A vinda do Papa Francisco a Portugal no contexto do centenário do fenómeno de Fátima não pode deixar de ser sublinhada, mesmo para um não crente como eu. O peso da Igreja Católica no nosso país e no mundo justifica a referência se bem que sejamos constitucionalmente um estado laico pelo que a tolerância de ponto aos funcionários da administração, ainda que habitual, não deixa de ser pouco justificada.
O discurso da Igreja sobre Fátima na sua face mais pública entrou em reversão, para recorrer a um termo em moda.
Duas figuras da Igreja em Portugal produziram afirmações importantes. O Bispo D. Carlos Azevedo, Delegado pontifício da Cultura no Vaticano, afirmou “Maria não vem do céu por aí abaixo” e entende que é o momento de usar uma “linguagem exacta” sobre os acontecimentos de há 100 anos na Cova da Iria, aconteceram visões imaginativas, místicas, não aparições.
Por outro lado, em entrevista ao Expresso o Padre Anselmo Borges diz, “É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima”.
Aguardo com alguma curiosidade a forma como o Papa Francisco se referirá às circunstâncias que motivam a sua visita.
No entanto, apesar de alguma frescura nos discursos e comportamento do Papa Francisco não estou particularmente confiante numa mudança de substantiva embora, mesmo como não crente, a julgue essencial pelo papel e significado que a Igreja ainda mantém nas nossas comunidades.
A propósito das mudanças na Igreja, ou da sua ausência, recordo que D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, afirmava em 2012, em entrevista ao JN, que a Igreja não está à altura do momento, está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo".
A afirmação de D. Manuel Martins lembrou-me o conhecido enunciado, "no entanto ela move-se". Ao que a história ou a lenda rezam, no séc. XVII Galileu Galilei reagiu com esta mítica afirmação à sua condenação no Tribunal do Santo Ofício pela defesa do modelo heliocêntrico, a Terra move-se em volta do Sol.
Do meu ponto de vista, a reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhecia D. Manuel Martins.
Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a importância e a necessidade de mudança no discurso e nas atitudes relativas ao divórcio e casamento, às uniões entre pessoas do mesmo sexo e adopção por parte destes casais, à anticoncepção, ao celibato dos padres, à abertura do sacerdócio às mulheres, o combate à ostentação visível em parte das estruturas da igreja, etc. Aliás, estas foram justamente algumas das questões referidas pelo Padre Anselmo Borges na entrevista ao Expresso e para as quais entendia a necessidade de mudanças na Igreja
No entanto, considerando o que se tem ouvido e é conhecido das intervenções da poderosa hierarquia da Igreja, não creio que, apesar de alguns comportamentos e discursos do Papa Francisco e também da significativa mudança de estilo face ao seu antecessor Bento XVI, seja de esperar um movimento de alteração significativa nas posições da Igreja sobre estas matérias.
Eppur si muove.

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