AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 5 de maio de 2017

A MUDANÇA EM EDUCAÇÃO. (TAKE 2)

Só há pouco tive oportunidade de ler a entrevista do Secretário de Estado da Educação na Visão de ontem de que deixo a ligação agradecendo ao Paulo Guinote. As ideias e entendimentos expressos por João Costa vão na sua formulação ao encontro ao que entendo de há muito serem os caminhos desejáveis para a educação.
Os enunciados encontram de uma forma sustentação em muito do que se sabe sobre os processos de educativos, sobre os processos de ensino e aprendizagem, conforme a evidência produzida em diferentes campos científicos apesar da diabolização de que têm sido alvo. Encontram também sustentação no campo da experiência, das boas práticas nacionais e internacionais que são conhecidas.
Devo dizer que não são novas, aliás, a constante referência à necessidade de inovar em educação ou na escola, fazer “novo”, incomoda-me. Estou cansado de ver recursos xpto, altamente “inovadores” serem usados com opções pedagógicas e didácticas velhas. Qualquer bom professor sabe que fazer diferente, e tantas vezes é preciso fazer diferente, não significa fazer novo.
Apesar disto, é natural que algumas das ideias, estou a falar dos enunciados, do Secretário de Estado, possam ser objecto de discordância. É compreensível no plano científico, é compreensível no plano ideológico, sim, a educação é tanto matéria de ciência como de ideologia, é compreensível no plano da conflitualidade de interesses legítima, diga-se, existente neste universo, é ainda compreensível no plano da partidocracia que não é exactamente coincidente com o plano da ideologia e é ainda compreensível à luz do “contrismo” uma espécie de doença infantil do umbiguismo, estou contra porque estou contra tudo o que não seja eu a dizer. Neste quadro, embora defenda processos altamente participados e partilhados, não acredito em consensos, parece-me mais lúcido pensar em entendimentos que gerem políticas.
No entanto e apesar da concordância genérica com os postulados, a entrevista de João Costa deixa-me algumas dúvidas e inquietações.
Um processo de mudança num universo tão complexo como o da educação é ele próprio complexo e multidimensionado. Se assim não for entendido corremos o risco de produzir ajustamentos parcelares, incoerentes e desarticulados, que apesar da bondade potencial de cada mudança perdem impacto, geram ruídos e dificuldades e … nada muda significativamente. Ao longo das últimas décadas temos tido inúmeros exemplos desta forma de promover políticas educativas que agitam mas não produzem apesar, registe-se, do bom trabalho de alunos e professores
Neste contexto e sendo breve, mantenho algumas dúvidas que já se colocaram face ao Perfil do Aluno do Séc. XXI que me parece um trabalho estruturante e um rumo positivo mas que ainda não é clara a estrada que vamos percorrer.
Tudo isto será desenvolvido com que calendário e metodologia global de mudança?
Tudo isto será desenvolvido com que estabilidade e perspectiva de consistência no tempo?
Tudo isto será desenvolvido com que organização curricular, conteúdos e cargas horárias, por disciplina e globais?
Tudo isto será desenvolvido com que quadro real de autonomia e de organização e gestão/direcção de escolas e agrupamentos? Recordo que o Parlamento está hoje a discutir o modelo de autonomia e gestão de escolas e agrupamentos.
Tudo isto será desenvolvido com que dimensão das turmas e das escolas ou agrupamentos? Eu sei que nem todas são excessivamente grandes mas algumas são e alguns agrupamentos estão para além do aceitável no número de alunos.
Tudo isto será desenvolvido com que ajustamento em práticas, capacidade e recursos de promover diferenciação para acomodar a diversidade dos alunos de acordo com princípios de educação inclusiva  e promover um menor peso dos manuais no trabalho de alunos e professores?
Tudo isto será desenvolvido com que dispositivos de apoio ao trabalho de alunos e professores, incluindo a presença de técnicos competentes e suficientes?
Tudo isto será desenvolvido com que modelos e dispositivos de avaliação de alunos, professores e escolas?
Com que impacto na formação inicial e contínua e na organização da carreira dos professores, designadamente do espartilhado modelo dos grupos disciplinares?
Um conjunto de enunciados positivos é importante mas pode não ser suficiente para sustentar alguma mudança significativa.

Sem comentários:

Enviar um comentário