AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 2 de abril de 2017

"NÚMERO DE ALUNOS COM NEE VOLTOU A AUMENTAR". SERÁ?

A partir dos dados disponibilizados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o Público titula que “Número de alunos com necessidades educativas especiais voltou a aumentar”.
Em síntese e relativamente a 2015/2016 o aumento foi de 5%, de 78 175 para 82667. O maior aumento, 18%, verifica-se no secundário, também aumenta no 3º ciclo, 8%, onde se regista aliás o maior número alunos com esta “avaliação” e baixou 3% no1º ciclo e educação pré-escolar.
O aumento do número de situações “diagnosticadas” no secundário pode estar ainda associado à extensão da escolaridade obrigatória “obrigando” a que continuem em processo de escolaridade.
O aumento de “diagnósticos” está em linha com o que se tem verificado nos últimos anos mas deve ser encarado com prudência.
A demografia discente em baixa apesar da situação particular do secundário e a ausência de estudos que o sustentem não permite afirmar que a “incidência” de “necessidades educativas especiais” esta a aumentar.
Como a propósito de dados de anos anteriores já tive oportunidade comentar incluindo através de um texto no Público, esta conclusão, “aumento do número de alunos com NEE” deve ser produzida e interpretada com alguma prudência pois creio que podem estabelecer-se alguns equívocos.
O que sucessivos relatórios vão mostrando é que aumenta o número de alunos destinatários de dispositivos de apoio educativo o que na verdade não significa que tenham NEE e, por outro lado, em anos anteriores e por razões já muitas vezes abordadas existiam alunos com dificuldades e sem qualquer apoio, ou seja em anos anteriores não tínhamos menos alunos com NEE mas sim menos alunos apoiados em consequência das políticas educativas o que não é a mesma coisa.
Concretizando, o nível de aumento que segundo a DGEEC se verificou entre 2010/2011 e 2014/2015, 73.5% (!!) e o que se tem verificado posteriormente como os dados de hoje comprovam não pode, evidentemente, significar o aumento de casos de NEE mas sim de alunos apoiados com a justificação de que apresentam NEE. Vejamos porquê.
De facto, por efeito de filtros de uma natureza discutível na disponibilização de apoios e recursos a alunos que evidenciam dificuldades, o número de alunos com apoio educativo era muito menor do que o número de alunos que dele necessitavam e das estimativas de necessidades com base em critérios internacionalmente aceites. Esta recorrente situação tem sido objecto de análise quer pela Inspecção-Geral de Educação, quer pelo Conselho Nacional de Educação
Neste cenário, por pressão dos professores e pais confrontados com muitos alunos a necessitar de ajuda começou a verificar-se progressivamente que, mesmo com os normativos desfavoráveis que filtravam o acesso a apoios, as escolas foram tentando com os recursos disponíveis providenciar algum tipo de ajuda o que contribui para esta subida fortíssima de alunos com NEE em apoio nas escolas portuguesas.
No entanto, este aumento não significa, não conheço estudos que o suportem, uma alteração com o mesmo grau de significado no padrão e quadros de necessidades dos alunos no que se refere, sublinho, a situações de NEE apesar da confusa e pouco sólida definição e conceitos que os normativos utilizam. A estranha diferença entre o carácter permanente ou “transitório(!)” das NEE que um aluno possa evidenciar é apenas um exemplo.
Por outro lado, um sistema educativo que se tornou altamente “normalizado” (currículos extensos, prescritivos, assentes em centenas de metas curriculares por disciplinas), competitivo, selectivo (“darwinista”), assente em filtros sucessivos, os exames, os rankings, os incentivos às escolas com sobrevalorização da avaliação externa dos alunos, etc. acaba, necessariamente, por se tornar incapaz de acomodar as diferenças entre os alunos, nem sequer estou a falar de NEE, e induz um aumento do número de alunos que podem sentir dificuldade em acompanhar o “ritmo” do trabalho. Se bem repararmos, este cenário é compatível com o aumento no 3º ciclo e secundário e também com o decréscimo agora verificado no 1º ciclo e educação pré-escolar devido a alterações recentes.
Mais uma vez, por inexistência de recursos de outra natureza, muitas escolas providenciam alguns apoios a esta franja de alunos através dos dispositivos de educação especial o que também contribui para o aumento do número de alunos apoiados considerados como apresentando NEE.
Tudo isto considerado surge o que considero a questão central, que apoios e recursos estão a ser disponibilizados a alunos, professores e pais? Serão suficientes, quer em docentes (apesar do aumento verificado), técnicos (por exemplo psicólogos com base num rácio aceitável) ou assistentes operacionais? Serão adequados? Contribuem para o sucesso real dos alunos considerando todas as suas capacidades e competências? São informadas por princípios de educação inclusiva cujo critério fundamental é a participação, tanto quanto possível, nas actividades comuns das comunidades escolares?
Gostava de ser mais optimista até porque estão em preparação alterações nesta matéria a verdade é que apesar do esforço notável da generalidade das direcções escolares, dos professores, técnicos e assistentes, da existência de práticas e experiências de excelente nível, a realidade está aquém do que seria desejável.
Assim, a inquietação de professores e pais é como responder de forma adequada e exigente, sim devemos ser exigentes, às necessidades e dificuldades educativas ou escolares de todos os alunos que em qualquer circunstância as possam evidenciar, independentemente da sua natureza. Aliás, a necessidade de uma avaliação educativa sólida e competente das reais necessidades ou dificuldades é o primeiro passo para uma resposta adequada.

3 comentários:

  1. Inteiramente de acordo consigo. A última frase do seu texto diz tudo.
    Abraço
    Teresa

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  2. Concordo com a análise e, sobretudo, com o último parágrafo. No entanto, se existe um aumento de alunos considerados com necessidades educativas especiais, para além de qualquer especulação, deve-se aferir se, de facto, são "verdadeiros" alunos com necessidades educativas especiais. Essa tarefa pode ser (já deveria ter sido!) atribuída à Inspeção-Geral da Educação e Ciência e ou aos supostos técnicos responsáveis pela área da educação especial que se encontram nas estruturas regionais de educação. É lamentável que nas reuniões, numa atitude de forte suspeição e responsabilização, confrontem os agrupamentos de escolas com o "crescente aumento de alunos com necessidades educativas especiais" mas, na prática, e quando convidados, não se dignem deslocar-se às escolas e analisar todos os processos dos alunos, verificando se, de facto, são, ou não, alunos que evidenciam necessidades educativas especiais de caráter permanente. Vivemos um pouco num clima de suspeição da prestação das escolas mas também não se vislumbra qualquer interesse, por parte da tutela, nacional e regional, em aferir da verdadeira situação.

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  3. Olá João Adelino. Concordo com o que diz, a minha questão não tem a ver com a responsabilização das escolas por esta situação, antes pelo contrário. Um DL 3/2008 que instituiu um inaceitável escrutínio de "elegibilidade" em educação é que sustenta toda esta situação. As escolas quando estão menos pressionadas pelas comissões de monitorização e porque percebem que têm alunos com algum tipo de dificuldade que precisa de apoio recorrem ao "rótulo" para os poderem ajudar. Eu percebo isto. A questão é concluir que o número de alunos com NEE está a aumentar quando o que aumenta é o número de alunos "CONSIDERADOS" com NEE o que não é a mesma coisa. Abraço

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