AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 23 de abril de 2017

DA MARCHA PELA CIÊNCIA. CIÊNCIA E OPINIÃO

Também em Lisboa se realizou uma Marcha pela Ciência, integrada numa iniciativa global que assume a defesa da ciência, do conhecimento científico face à deriva assente e traduzida nos “factos alternativos” tão promovida pela presidência dessa figura assustadora que é Donald Trump. São múltiplos os exemplos em que nos discursos de elementos com responsabilidades políticas são negadas evidências científicas o que em alguns domínios pode mesmo vir a ter consequências desastrosas, caso, por exemplo, das alterações climáticas.
No entanto, este fenómeno não é recente nem um exclusivo da sociedade americana e envolve mesmo pessoas com formação científica de nível superior. Na verdade há muito tempo que me vejo envolvido em situações curiosas, para ser simpático.
Quando me envolvo em alguma discussão com pessoas com formação em áreas diferenciadas que não as Ciências Sociais, designadamente Educação ou Psicologia, áreas que conheço melhor, sobre matérias do seu universo de formação ou intervenção, percebo com clareza alguns dos meus interlocutores tendem a desvalorizar o que exprimo pois não lhe reconhecem “saber” ou “ciência”, apenas opinião.
Por outro lado, quando falo de assuntos da minha área de estudo de décadas, Psicologia e Educação, qualquer que seja a sua formação, muitos dos interlocutores afirmam com a maior das convicções opiniões sólidas e seguras sobre o que está em discussão e assumem com toda a segurança essas opiniões como “saber”.
Quando era mais novo ainda tentava argumentar com base no que a ciência nestas áreas, a evidência como é designada, vai produzindo mas, dada a falta de efeito, vou desistindo.
Na verdade, “mete-me espécie” que engenharia, biologia, economia, medicina, etc., etc., sejam áreas de “saber” e que educação ou psicologia sejam percebidas não como áreas de saber mas como áreas de opinião que, naturalmente, qualquer pessoa pode expressar e, assim, passar a ser “saber”.
Aliás, até já tenho visto referências às Ciências da Educação escritas com aspas e, frequentemente, com sentido pejorativo. Foi patente nos últimos anos a emergência de discursos diabolizando as “ciências da educação” identificando-as como o eixo do mal responsável pelo que de mau vai acontecendo no mundo da educação. Elucidativo. Seria estranho, no mínimo, alguém afirmar que o que se sabe e estuda em engenharia num qualquer ramo é prejudicial … à engenharia
É estranho que o que eu afirmo dentro da minha área não seja percebido como saber, não seja percebido como ciência, seja uma opinião e, como tal, passível de discussão com base noutra opinião enquanto o discurso do meu interlocutor sobre a sua área de intervenção seja “saber” pelo que um leigo como eu não o pode abordar de forma séria.
Não é grave que se construa opinião sobre qualquer assunto da nossa vida. É desejável e estimulante para toda a gente que assim seja. O que me embaraça é que se entenda que opinião é ciência ou, quando convém, que a ciência não é ciência é opinião e como tal deva ser tratada.
Aliás, esta visão pareceu informar a política científica dos últimos anos em que no quadro de um desinvestimento na investigação e da ciência as ciências sociais foram profundamente atingidas, não produzem "bens, patentes ou serviços" como dizia o Ministro da Economia do Governo anterior. 
Ao fim de quarenta anos de lida já estou mais habituado mas lá que me continua a incomodar ... continua.

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