AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

MALTRATAR NÃO RIMA COM GOSTAR

Em dia de S. Valentim voltemos às questões do namoro, agora no seu lado B, a violência e abusos nas relações amorosas entre adolescentes e jovens.
Um trabalho da responsabilidade da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta que inquiriu 5500 jovens com idade média de 15 anos mostra que comportamentos como coagir para ter relações sexuais, proibir o namorado ou a namorada de se relacionar com alguém ou usar algum tipo de roupa tendem a ser encarados como normais por uma elevada percentagem de jovens. Cerca de 24% dos inquiridos considera normal partilhar fotos intimas ou insultar através das redes sociais e 14% atribuem legitimidade a violência doméstica, 19% declararam ter já sido vítimas desse tipo de violência.
Recordemos que de 2015 para 2016 aumentou 6% o número de queixas à PSP e GNR por violência no namoro. Foram recebidas 1975 participações sendo que muitos episódios não são reportados.
Esta realidade tem vindo a assumir proporções inquietantes e, do meu ponto de vista, não tem merecido a atenção que a sua gravidade e prevalência justificam. Provavelmente começa por aqui a tragédia da violência doméstica que parece indomesticável.
È ainda de recordar um trabalho da responsabilidade da Universidade do Porto envolvendo um grupo populacional significativo, cerca de 3000 jovens nascidos em 1990, divulgado no início de 2014 mostrava que no âmbito das relações de namoro, 60% dos jovens inquiridos relataram pelo menos um caso de agressão psicológica, insultar por exemplo. Um em cada três jovens também refere pelo menos um episódio de coacção sexual e 18 % referiram pelo menos um acto de violência física, bater ou arremessar um objecto com o objectivo de atingir o outro. É ainda de registar que mais de metade dos jovens envolvidos assume o estatuto de vítimas mas também de agressores.
Estes números que são coerentes com outros estudos sobre comportamentos de violência nas relações amorosas indiciam o que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Neste sentido foi também hoje anunciada Secretária de estado para a Cidadania e Igualdade o desenvolvimento a partir do próximo ano de uma abordagem preventiva nas escolas “Educação para aa Cidadania” que se espera produzir efeito na qualidade das relações interpessoais.
Entretanto e enquanto não mudo, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"

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