No blogue ComRegras da
responsabilidade do Alexandre Henriques surge mais um interessante trabalho,
desta vez sobre a “(In)Disciplina na Família” recorrendo a um inquérito online ao qual responderam mais de 2500 encarregados de educação.
O estudo envolve várias problemáticas,
conflitos entre pais e filhos e razões para sua existência, “castigos" e a sua
administração ou o envolvimento dos pais em tarefas de natureza escolar como
ajudar nos TPCs ou na preparação para momentos de avaliação.
A jornalista da Lusa, Cecília Malheiro, solicitou-me um pequeno comentário às questões relacionadas com os
TPCs. Aqui ficam algumas notas relativas a essa conversa deixando para outro
momento alguns comentários às diferentes dimensões analisadas.
Antes de mais uma síntese dos
dados recolhidos pelo Alexandre Henriques. Cerca de 95% dos encarregados “ajuda
os filhos nas tarefas escolares, 24% “sempre”, 31% às vezes” e 40% algumas
vezes.
Considerando os ciclos da
escolaridade obrigatória e a evolução da “ajuda dos pais” temos 100% no 1º ciclo,
98.6% no 2º ciclo 96.9% no 3º ciclo e 88.0% no secundário.
Para olhar para estes dados é
fundamental considerar que por níveis de escolaridade os encarregados de
educação que responderam não correspondem de todo a uma distribuição real, 79%
têm formação superior, 17% o ensino secundário e apenas 4% com o ensino
básico.
Como tive oportunidade de afirmar na
conversa com a Cecília Malheiro esta variável, escolaridade dos pais, está
fortemente associada às suas respostas nas várias dimensões do inquérito pelo
que a sua leitura e conclusões sobre o envolvimento familiar deve ponderar esta
relação. Vejamos a questão dos trabalhos de casa.
Os resultados encontrados vão no
mesmo sentido de um trabalho recente da responsabilidade do ISCTE, mais de 90%
dos pais com ensino superior ajudam habitualmente os filhos nas actividades
escolares enquanto em pais que apenas realizaram o 1º ciclo a percentagem é de
21%. No grupo de pais menos escolarizados 36% afirma que “que não ajudam os
filhos porque não o conseguiram fazer”.
Segundo a OCDE num trabalho
"Does homework perpetuate inequities
in education?" produzido com base em dados recolhidos no âmbito do
PISA nos anos de 2003 e 2012 os alunos portugueses de 15 anos, dado de 2012,
gastam em média 4h semanais na realização de trabalhos de casa, menos uma hora
que em 2003 e menos uma hora que a média dos 38 casos estudados pela OCDE.
Do meu ponto de vista, os dados
mais relevantes deste Relatório remetem para o facto de que os alunos com
famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2 horas
em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o
que, sublinha a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me
pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal em
particular da escolaridade da mãe conforme dados recentemente divulgados, é um
fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos. Um recente trabalho da
responsabilidade conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do CNE
mostrou que que nove em cada dez alunos com insucesso escolar são de famílias
pobres.
A associação entre os resultados
escolares dos alunos e variáveis de natureza sociodemográfica como meio social,
económico e cultural, circunstâncias de vida, estilos parentais, etc. etc.,
está estabelecida de há muito.
Estes dados sustentam o
entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar
desigualdade de oportunidades e como tantas vezes tenho afirmado obriga-nos a
reflectir sobre a sua utilização. Nesta equação também importa referir que os
alunos portugueses têm um dos mais longos períodos de permanência na escola dos
países da OCDE, considerando a carga horária curricular e a mais do que
discutível “Escola a Tempo Inteiro” agora prolongada até ao 9º ano.
Não tenho nenhuma posição
fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho
Para Casa e o Trabalho Em Casa na lógica de diferentes modelos de envolvimento
parental e que não inibem a ajuda mesmo de pais com menor qualificação escolar
como também procurei referir na colaboração com a Lusa.
Os TPCs clássicos têm ainda o
problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas e são fonte
de potenciais conflitos, pais que querem ajudar os filhos mas não possuem
habilitações para tal ou meios para “comprar” uma ajuda, por exemplo.
A propósito, numa reunião de pais
em que participava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da
maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa,
chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz
de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me negativo.
Torna-se, pois, necessário que
professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de
casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai
pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado, o recurso
ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência
para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências
adquiridas. Na verdade, se um aluno sente dificuldade em realizar os seus
trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, como
será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a
ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas
famílias, sabemos quais, não conseguem aceder. Os dados recolhidos pelo
Alexandre Henriques são elucidativos.
Aliás, no citado relatório da
OCDE também se conclui que não há uma relação significativa entre o número
médio de horas gastas nos TPCs e os resultados escolares.
Andaríamos melhor se
reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta
natureza.
Muito bem, muito bom. Como sempre Zé ;)
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