AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 4 de maio de 2016

DA IDEOLOGIA

A propósito da decisão do ME de rever o estabelecimento de contratos de associação com estabelecimentos de ensino privados surge como sempre a acusação das posições ideológicas que informam decisões desta natureza e que são, evidentemente, condenáveis, dizem alguns.
Já cansa esta habilidade no tratamento destas questões em função da “ideologia”. Boa parte desta gente entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.
Por vezes gosta de afirmar que são pragmáticos e apenas consideram a realidade, o que defendem não tem nada a ver com ideologia, mesmo quando, por exemplo, empunham um bandeira cheia de equívocos a que chama “liberdade de educação”.
Consideremos de forma breve alguns aspectos.
Quem desmantela o Estado Social é pragmático quem o defende com equilíbrio e sem desperdício é por ideologia.
Quem desinveste na educação e na escola públicas, investe no ensino privado é por pragmatismo. Quem defende a educação e escola pública e a necessária existência de ensino privado regulado mas não financiado indevidamente pelo Estado é por ideologia.
Quem defende uma escola selectiva, competitiva e não inclusiva é por pragmatismo. Quem defende equidade e inclusão como objectivos civilizacionais é por ideologia.
Quem defende o empobrecimento “custe o que custar” é por pragmatismo. Quem entende que pobreza e exclusão não fomentam desenvolvimento é por ideologia.
Quem defende os apoios sem fim dos contribuintes ao sistema bancário fragilizado por administrações incompetentes ou delinquentes é por pragmatismo. Quem entende que não pode ser sempre o cidadão a pagar uma factura de que não é responsável é por ideologia.
Quem alimenta e se alimenta de um sistema de justiça fraco com os fortes e forte com os fracos é por pragmatismo. Quem entende que assim não deve ser é por ideologia.
Quem entende que tudo ou quase deve ser privatizado é por pragmatismo. Quem defende a presença do Estado em sectores essenciais para o bem-estar das populações é por ideologia.
Quem …
Na área que melhor conheço, a educação, tantas vezes me confronto com este modelo. Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, o que penso tem uma carga ideológica, é assim que entendo o mundo.
Na verdade, não acredito em visões de sociedade sem arquitectura ideológica. Isso não existe, só por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.
Há décadas que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que penso. Mas tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente. Não as entendo como únicas, imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.

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