AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 25 de março de 2016

UM DIA JÁ NÃO AGUENTO

Já aqui tenho abordado esta matéria mas a sua gravidade justifica retomá-la. Foi apresentado em Lisboa o relatório Portugal - Saúde Mental em Números 2015.
Dois dos indicadores abordados no que respeita à saúde mental dos mais novos merecem uma reflexão que, aliás, já por aqui tenho procurado realizar.
Um primeiro aspecto e que, lamentavelmente, tem constado regularmente nestes relatórios anuais prende-se com a ausência inaceitável de camas no SNS para episódios de urgência para crianças e adolescentes no âmbito da saúde mental. Esta recorrente situação leva a que quando necessário crianças e jovens sejam internados nos serviços de pediatria geral ou nos serviços de psiquiatria para adultos. Qualquer das situações é manifestamente inadequada.
Um segundo dado remete para o volume significativo de casos de comportamentos auto-agressivos, automutilaçõese tentativas de suicídio. Dos 1500 episódios de urgência no Hospital de D. Estefânia em 2015, 20% envolveram situações desta natureza.
Sobre esta questão com que muitos adolescentes e famílias se debatem e causadoras de enorme sofrimento para todos recordo que o estudo A Saúde dos adolescentes Portugueses, de 2014 e integrado no estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children, da responsabilidade da OMS, coordenado em Portugal pela excelente equipa da Professora Margarida Gaspar de Matos, sugeria que um em cada seis alunos entre o 8º e o 10º ano já se magoou a si próprio, de propósito, nos últimos 12 meses, sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga... Referiram que se sentiam “tristes”, “fartos”, “desiludidos” quando o fizeram.
Este indicador subiu quase cinco pontos percentuais face ao Relatório de quatro anos antes.
Na verdade, os comportamentos de automutilação em adolescentes são mais frequentes e graves do que muitas vezes pensamos. Alguns estudos internacionais apontam para cerca de 10% da população em idade escolar com este tipo de comportamento pelo que os dados que se encontram em Portugal são, de facto, preocupantes.
Este quadro é um indicador do mal-estar que muitos adolescentes e jovens sentem. Em muitas situações não conseguimos estar suficientemente atentos. Acontecem com alguma frequência situações de sofrimento com as mais diversas origens, relações entre colegas, bullying por exemplo nas suas diferentes formas, ou relações degradadas em família que facilitam a instalação de sentimentos de rejeição, ausência de suporte social, facilitadoras de comportamentos auto-destrutivos.
Começa também a emergir como causa deste mal-estar a dificuldade que algumas crianças e adolescentes sentem em lidar com situações de insucesso escolar. Estas dificuldades são frequentemente potenciadas pela pressão das famílias e pelo nível de competição que por vezes se instala.
O sofrimento e mal-estar induzem uma espiral de comportamentos em que os adolescentes causam sofrimento a si próprios o que promove mais sofrimento num ciclo insuportável e com níveis de perplexidade, impotência e sofrimento para as famílias também extraordinariamente significativos.
Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola espaço onde passam boa parte do seu tempo.
De facto em muitos casos, designadamente, em comportamentos de automutilação, pode ser possível perceber sinais e comportamentos indiciadores de mal-estar. Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. É também importante que pais e professores atentos não hesitem nos pedidos de ajuda ou apoio para lidar com este tipo de situações.
Muitos pais, diz-me a experiência, sentem-se de tal forma assustados que inibem um pedido de ajuda por se sentirem impotentes e perplexos.
O resultado pode ser trágico e obriga-nos a nós a uma atenção redobrada aos discursos e comportamentos dos adolescentes.

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