É verdade que as comparações
entre realidades diferentes devem ser realizadas com prudência. No entanto, a
análise dessas realidades, sobretudo de experiências bem-sucedidas podem ser
inspiradoras de mudanças e ajustamento que, respeitando diferenças, possam
potenciar evolução e progresso.
Vem esta introdução a propósito
do trabalho do Expresso sobre as mudanças em curso na Finlândia e que serão
apresentadas na próxima semana em Portugal.
Neste contexto e para lá da recomendação
de leitura da peça, algumas notas.
Contrariamente às primeiras
referências que se divulgaram não estará em causa a abolição de disciplinas,
elas mantêm e suportam a aquisição e domínio de saberes considerados essenciais
a nível nacional.
O que parece ser intenção é o
desenvolvimento de formas de trabalho em sala de aula que transcendam a lógica
do trabalho interior a cada disciplina, definindo um conjunto de tópicos que
exigem saberes oriundos das diferentes disciplinas e que serão trabalhados de
forma transversal. Do meu ponto de vista, a ideia não é nova e informava o que
seriam os objectivos da extinta Área de Projecto no nosso sistema educativo
embora esta fosse um dispositivo para lá do currículo, existiam as áreas
disciplinares e ao lado a Área de Projecto. Em torno de um Projecto (um tópico
na proposta finlandesa) seriam desenvolvidos trabalhos/projectos de natureza
transversal que mobilizando os saberes que os alunos adquiriam no âmbito do
trabalho de cada disciplina. No entanto, as práticas desenvolvidas e o próprio
modelo nem sempre correspondiam a estes objectivos que na proposta finlandesa
surgem com a "nobreza" de um modelo curricular e não algo para lá do
currículo.
Esta Reforma assenta ainda em
alguns eixos fundamentais:
A colaboração entre professores
em sala de aula, modelos de coadjuvação ou co-teaching, por exemplo, como forma
de concretizar a intenção de transversalidade nos projectos a desenvolver pelos
alunos.
Um outro eixo remete para a
questões como o clima de sala de aula, a promoção as escolas como
"comunidades de aprendizagem", a importância da "alegria de
aprender, a cooperação entre alunos e a sua autonomia, que são identificados
como "objectivos chave" para esta reforma como refere Irmeli Halinen, Head of Curriculum Development doFinnish National Board of Education.
Um outra dimensão é a avaliação
das aprendizagens. Nesta sempre complexa matéria a proposta de Reforma envereda
com clareza pela promoção da dimensão formativa da avaliação, pelo envolvimento
e promoção da autonomia do aluno na avaliação do seu próprio trajecto de
aprendizagem retomando a ideia conhecida de "aprender a aprender"
entendimento que nos últimos anos foi diabolizado em Portugal.
O sistema finlandês e a reforma
em curso acentuam essa dimensão e assentam na autonomia de escolas e dos professores
que são altamente valorizados e qualificados, outra marca distintiva.
Do meu ponto de vista esta
Reforma corresponde a uma "modernização" do pensamento educativo
introduzindo uma dimensão de globalidade e mobilização integrada e
contextualizada dos saberes aprendidos de forma mais compartimentada nas
diferentes disciplinas dando-lhes um sentido que potenciará a motivação e a
aprendizagem e aquisição de uma formação global não segmentada que actualmente
se requer.
A referida autonomia das escolas
e das comunidades locais permite que, mantendo o currículo nacional, se possam
construir projectos que traduzam especificidades contextuais e, portanto, com
maior potencial de impacto, motivação e aprendizagem.
Numa sintética abordagem
comparativa com a política educativa em Portugal diria que a visão sobre
educação e escola que informa esta Reforma está muitíssimo longe do que, do meu
ponto de vista tem informado a política educativa em Portugal.
A estrutura curricular actual
assenta em programas demasiados extensos, excessivamente prescritivos e na
definição de metas curriculares que, na forma como estão formuladas, fazem
correr o sério risco de que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de
"check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de
acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de
aprendizagem.
Acontece ainda que o nosso
sistema se encaminhou no sentido de uma hipervalorização da avaliação externa
em detrimento da avaliação de natureza mais formativa. A avaliação externa é
imprescindível mas não pode tornar-se o tudo na vida da escola.
Uma nota ainda para algumas referências
identificadas como base da Reforma Finlandesa e já referidas, "a questão
do clima de sala de aula", o entendimento das escolas como
"comunidades de aprendizagem"", "a importância da
"alegria de aprender"", "a cooperação entre alunos e a sua
autonomia" ou "aprender a aprender" que são identificados como
"objectivos chave" e que, do meu ponto de vista, são isso mesmo,
"aspectos chave".
No entanto, é minha convicção que
por cá ainda teremos muita gente, já não Nuno Crato enquanto Ministro, que considerará
tais "objectivos chave" como um típico discurso "eduquês"
(seja lá isso o que for) e, como tal, identificados como uma fonte do mal, algo
sem sentido.
Finalmente uma chamada de atenção
para o entendimento finlandês de que as reformas em educação se devem processar
regularmente, de forma participada, avaliada, com ciclos de vida para além dos
ciclos político-eleitorais. Em Portugal, a educação é um terreno altamente
permeável e apetecível para as lutas de poder e controlo da partidocracia vigente
o que lhe retira serenidade e em que as mudanças são constantes, inconsistentes
e à deriva.
Não conseguiremos fazer melhor?
Muito bom, se me permites. Paulo Prudêncio.
ResponderEliminarObrigado Paulo. Na verdade a maior urgência para o nosso sistema educativo é libertar-se da luta de poder pelo seu controlo. De resto e mesmo com diferentes perspectivas ideológicas, próprias de sociedades abertas e democráticas a serenidade e um rumo seriam possíveis. A prova são os bons resultados que os nossos alunos e os professores tinham vindo a conseguir nos estudos comparativos internacionais apesar do ME e do clima intalado nas escolas e nos professores. Abraço
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