AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 13 de março de 2016

DE HELSÍNQUIA A LISBOA

É verdade que as comparações entre realidades diferentes devem ser realizadas com prudência. No entanto, a análise dessas realidades, sobretudo de experiências bem-sucedidas podem ser inspiradoras de mudanças e ajustamento que, respeitando diferenças, possam potenciar evolução e progresso.
Vem esta introdução a propósito do trabalho do Expresso sobre as mudanças em curso na Finlândia e que serão apresentadas na próxima semana em Portugal.
Neste contexto e para lá da recomendação de leitura da peça, algumas notas.
Contrariamente às primeiras referências que se divulgaram não estará em causa a abolição de disciplinas, elas mantêm e suportam a aquisição e domínio de saberes considerados essenciais a nível nacional.
O que parece ser intenção é o desenvolvimento de formas de trabalho em sala de aula que transcendam a lógica do trabalho interior a cada disciplina, definindo um conjunto de tópicos que exigem saberes oriundos das diferentes disciplinas e que serão trabalhados de forma transversal. Do meu ponto de vista, a ideia não é nova e informava o que seriam os objectivos da extinta Área de Projecto no nosso sistema educativo embora esta fosse um dispositivo para lá do currículo, existiam as áreas disciplinares e ao lado a Área de Projecto. Em torno de um Projecto (um tópico na proposta finlandesa) seriam desenvolvidos trabalhos/projectos de natureza transversal que mobilizando os saberes que os alunos adquiriam no âmbito do trabalho de cada disciplina. No entanto, as práticas desenvolvidas e o próprio modelo nem sempre correspondiam a estes objectivos que na proposta finlandesa surgem com a "nobreza" de um modelo curricular e não algo para lá do currículo.
Esta Reforma assenta ainda em alguns eixos fundamentais:
A colaboração entre professores em sala de aula, modelos de coadjuvação ou co-teaching, por exemplo, como forma de concretizar a intenção de transversalidade nos projectos a desenvolver pelos alunos.
Um outro eixo remete para a questões como o clima de sala de aula, a promoção as escolas como "comunidades de aprendizagem", a importância da "alegria de aprender, a cooperação entre alunos e a sua autonomia, que são identificados como "objectivos chave" para esta reforma como refere Irmeli Halinen, Head of Curriculum Development  doFinnish National Board of Education.
Um outra dimensão é a avaliação das aprendizagens. Nesta sempre complexa matéria a proposta de Reforma envereda com clareza pela promoção da dimensão formativa da avaliação, pelo envolvimento e promoção da autonomia do aluno na avaliação do seu próprio trajecto de aprendizagem retomando a ideia conhecida de "aprender a aprender" entendimento que nos últimos anos foi diabolizado em Portugal.
O sistema finlandês e a reforma em curso acentuam essa dimensão e assentam na autonomia de escolas e dos professores que são altamente valorizados e qualificados, outra marca distintiva.
Do meu ponto de vista esta Reforma corresponde a uma "modernização" do pensamento educativo introduzindo uma dimensão de globalidade e mobilização integrada e contextualizada dos saberes aprendidos de forma mais compartimentada nas diferentes disciplinas dando-lhes um sentido que potenciará a motivação e a aprendizagem e aquisição de uma formação global não segmentada que actualmente se requer.
A referida autonomia das escolas e das comunidades locais permite que, mantendo o currículo nacional, se possam construir projectos que traduzam especificidades contextuais e, portanto, com maior potencial de impacto, motivação e aprendizagem.
Numa sintética abordagem comparativa com a política educativa em Portugal diria que a visão sobre educação e escola que informa esta Reforma está muitíssimo longe do que, do meu ponto de vista tem informado a política educativa em Portugal.
A estrutura curricular actual assenta em programas demasiados extensos, excessivamente prescritivos e na definição de metas curriculares que, na forma como estão formuladas, fazem correr o sério risco de que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem.
Acontece ainda que o nosso sistema se encaminhou no sentido de uma hipervalorização da avaliação externa em detrimento da avaliação de natureza mais formativa. A avaliação externa é imprescindível mas não pode tornar-se o tudo na vida da escola.
Uma nota ainda para algumas referências identificadas como base da Reforma Finlandesa e já referidas, "a questão do clima de sala de aula", o entendimento das escolas como "comunidades de aprendizagem"", "a importância da "alegria de aprender"", "a cooperação entre alunos e a sua autonomia" ou "aprender a aprender" que são identificados como "objectivos chave" e que, do meu ponto de vista, são isso mesmo, "aspectos chave".
No entanto, é minha convicção que por cá ainda teremos muita gente, já não Nuno Crato enquanto Ministro, que considerará tais "objectivos chave" como um típico discurso "eduquês" (seja lá isso o que for) e, como tal, identificados como uma fonte do mal, algo sem sentido.
Finalmente uma chamada de atenção para o entendimento finlandês de que as reformas em educação se devem processar regularmente, de forma participada, avaliada, com ciclos de vida para além dos ciclos político-eleitorais. Em Portugal, a educação é um terreno altamente permeável e apetecível para as lutas de poder e controlo da partidocracia vigente o que lhe retira serenidade e em que as mudanças são constantes, inconsistentes e à deriva.
Não conseguiremos fazer melhor?

2 comentários:

  1. Muito bom, se me permites. Paulo Prudêncio.

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  2. Obrigado Paulo. Na verdade a maior urgência para o nosso sistema educativo é libertar-se da luta de poder pelo seu controlo. De resto e mesmo com diferentes perspectivas ideológicas, próprias de sociedades abertas e democráticas a serenidade e um rumo seriam possíveis. A prova são os bons resultados que os nossos alunos e os professores tinham vindo a conseguir nos estudos comparativos internacionais apesar do ME e do clima intalado nas escolas e nos professores. Abraço

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