Uma peça no Público sobre o trabalho desenvolvido e as questões colocadas pela presença no ensino secundário de alunos com deficiência cognitiva sugere algumas notas pedindo
desde já desculpa pela sua extensão num dia como o de hoje.
De facto, com o alargamento da
escolaridade obrigatória para doze anos, as escolas secundárias passam a
receber uma população que até à altura "não conheciam", o que se constituiu
uma preocupação natural. Na altura do alargamento, questionada sobre as
dificuldades das escolas, a responsável do MEC por esta matéria, admitindo com
lucidez que as escolas possam não estar preparadas, afirmou "quando um pai
e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem".
Curiosamente, a mesma responsável
citada pelo Público retoma agora o mesmo argumento.
Sobre isto escrevi, "Notável
e perto do desrespeito, certamente não intencional, pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com
problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho
reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito
constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que
assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve
"pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas, antecipado
o seu impacto, para atempadamente se garantir, tanto quanto possível, o bom
andamento dos processos educativos".
Na verdade, as escolas
"reagiram" e em algumas que conheço, a preocupação inicial deu lugar
a ideias e projectos verdadeiramente interessantes.
No entanto, o MEC também reagiu e
fez publicar uma Portaria (275-A/2012 de 1/9) absolutamente extraordinária.
Dada a falta de espaço, algumas notas telegráficas.
Sendo o trabalho escolar nas
escolas públicas da responsabilidade das respectivas equipas, o MEC distribui
"responsabilidades" com estruturas privadas, os Centros de Recursos
para a Inclusão, ainda uma resultante dos equívocos com serviços em
"outsourcing" prestados por instituições e técnicos que não fazem
parte da escola mas sobrevivem, mal, numa zona híbrida e estranha do sistema
educativo. Como é evidente isto não questiona a competência e empenhos dos
técnicos, mas o modelo escolhido.
Para alunos com Currículo
Específico Individual (CEI), uma população altamente diversificada, determinou-se
uma matriz lectiva com cargas horárias fechadas esquecendo tudo o que é
autonomia e diferenciação. Esta Portaria abriu a porta para a que os alunos com
necessidades especiais estivessem "entregados" nas escolas a tempo
parcial e em regime precário, em vez de incluídos e envolvidos da forma
possível na vida escolar da escola que, por direito, frequentam. Algumas
famílias têm sido mesmo "convidadas" a não ter os seus filhos tanto
tempo na escola.
Deve dizer-se que algumas
escolas, direcções e professores se têm esforçado para que tal não aconteça,
apesar da Portaria e do ME.
Uma pequena nota mais lateral
sobre esta ideia de acantonar um grupo de alunos numa entidade designada por
Currículo Específico Individual - CEI, uma bizarrice conceptualmente
redundante, se uma estrutura curricular é desenhada para um indivíduo será,
evidentemente, específica, donde fica estranha a designação. Acresce que toda
esta matéria é altamente burocratizada com PEIs, CEIs, PITs, etc., que, do meu
ponto de vista, complicam o trabalho de toda a gente
Em muitas circunstâncias, apesar
de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao
abrigo dos CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da
solução, situação potenciada com a Portaria do MEC relativa ao trabalho nas
escolas secundárias.
Entretanto, a famigerada Portaria
foi revogada fundamentalmente pelo empenho a persistência dos movimentos de
pais e a pressão si criada. Surgiu a Portaria 201-C/2015 de 10 de Julho. Introduziu,
de facto algumas mudanças, a clara responsabilidade das escolas por todo o
processo, a referência da carga horária dos alunos à carga horária regular, a
referência à autodeterminação dos alunos, à individualização das abordagens,
(eu preferiria a ideia de diferenciação), a referência à funcionalidade, por
exemplo.
No entanto, não creio que a
situação se tenha alterado substantivamente.
As boas práticas que existem e
merecem divulgação mantiveram-se apesar das dificuldades, da falta de recursos,
do desajustamento dos modelos e da oferta formativa, etc.
Por outro lado, as práticas de
guetização em espaços curriculares, dentro ou fora das escolas, ou mesmo físico
também continuam a verificar-se fruto de uma característica comum de todo o
nosso sistema educativo, a falta de regulação, coexiste o melhor e o menos bom
sem que nada aconteça.
Em muitas circunstâncias
desenvolve-se um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco
consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento
nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, o trabalho
desenvolvido com estes alunos pode ser ele próprio um factor de debilização, ou
seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da
incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados
e competentes, mas da sua própria representação sobre este grupo de alunos,
isto é, não acreditam que eles realizem ou aprendam. Desta representação
resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de
aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco
relevantes, na participação reduzida em actividades comuns que, obviamente, não
conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo,
eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
O que acontece, sem ser por magia
ou mistério, é que quando nós acreditamos que os alunos são capazes, eles não
se "normalizam" evidentemente, mas são, na verdade, mais capazes, vão
mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas,
ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que
eles progridem e são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o
progresso possível.
E isto envolve professores do
ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas e
toda a restante comunidade.
Toda esta matéria, a educação de
crianças ou jovens com necessidades especiais, assenta, do meu ponto de vista
em três ideias estruturantes de todo o trabalho, estar, participar e pertencer,
operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação.
É neste sentido que devem ser
canalizados os esforços e os recursos que devem, obrigatoriamente, existir.
Subscrevo totalmente o texto, nomeadamente o ponto referente ao que os CRI´s se tornaram (ou foram criados para), um balão de oxigénio financeiro para algumas estruturas privadas.
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