AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ENSINO SECUNDÁRIO

De facto, com o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos, as escolas secundárias passam a receber uma população que até à altura "não conheciam", o que se constituiu uma preocupação natural. Na altura do alargamento, questionada sobre as dificuldades das escolas, a responsável do MEC por esta matéria, admitindo com lucidez que as escolas possam não estar preparadas, afirmou "quando um pai e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem".
Curiosamente, a mesma responsável citada pelo Público retoma agora o mesmo argumento.
Sobre isto escrevi, "Notável e perto do desrespeito, certamente não intencional, pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve "pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas, antecipado o seu impacto, para atempadamente se garantir, tanto quanto possível, o bom andamento dos processos educativos".
Na verdade, as escolas "reagiram" e em algumas que conheço, a preocupação inicial deu lugar a ideias e projectos verdadeiramente interessantes.
No entanto, o MEC também reagiu e fez publicar uma Portaria (275-A/2012 de 1/9) absolutamente extraordinária. Dada a falta de espaço, algumas notas telegráficas.
Sendo o trabalho escolar nas escolas públicas da responsabilidade das respectivas equipas, o MEC distribui "responsabilidades" com estruturas privadas, os Centros de Recursos para a Inclusão, ainda uma resultante dos equívocos com serviços em "outsourcing" prestados por instituições e técnicos que não fazem parte da escola mas sobrevivem, mal, numa zona híbrida e estranha do sistema educativo. Como é evidente isto não questiona a competência e empenhos dos técnicos, mas o modelo escolhido.
Para alunos com Currículo Específico Individual (CEI), uma população altamente diversificada, determinou-se uma matriz lectiva com cargas horárias fechadas esquecendo tudo o que é autonomia e diferenciação. Esta Portaria abriu a porta para a que os alunos com necessidades especiais estivessem "entregados" nas escolas a tempo parcial e em regime precário, em vez de incluídos e envolvidos da forma possível na vida escolar da escola que, por direito, frequentam. Algumas famílias têm sido mesmo "convidadas" a não ter os seus filhos tanto tempo na escola.
Deve dizer-se que algumas escolas, direcções e professores se têm esforçado para que tal não aconteça, apesar da Portaria e do ME.
Uma pequena nota mais lateral sobre esta ideia de acantonar um grupo de alunos numa entidade designada por Currículo Específico Individual - CEI, uma bizarrice conceptualmente redundante, se uma estrutura curricular é desenhada para um indivíduo será, evidentemente, específica, donde fica estranha a designação. Acresce que toda esta matéria é altamente burocratizada com PEIs, CEIs, PITs, etc., que, do meu ponto de vista, complicam o trabalho de toda a gente
Em muitas circunstâncias, apesar de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao abrigo dos CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da solução, situação potenciada com a Portaria do MEC relativa ao trabalho nas escolas secundárias.
Entretanto, a famigerada Portaria foi revogada fundamentalmente pelo empenho a persistência dos movimentos de pais e a pressão si criada. Surgiu a Portaria 201-C/2015 de 10 de Julho. Introduziu, de facto algumas mudanças, a clara responsabilidade das escolas por todo o processo, a referência da carga horária dos alunos à carga horária regular, a referência à autodeterminação dos alunos, à individualização das abordagens, (eu preferiria a ideia de diferenciação), a referência à funcionalidade, por exemplo.
No entanto, não creio que a situação se tenha alterado substantivamente.
As boas práticas que existem e merecem divulgação mantiveram-se apesar das dificuldades, da falta de recursos, do desajustamento dos modelos e da oferta formativa, etc.
Por outro lado, as práticas de guetização em espaços curriculares, dentro ou fora das escolas, ou mesmo físico também continuam a verificar-se fruto de uma característica comum de todo o nosso sistema educativo, a falta de regulação, coexiste o melhor e o menos bom sem que nada aconteça.
Em muitas circunstâncias desenvolve-se um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, o trabalho desenvolvido com estes alunos pode ser ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.
Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua própria representação sobre este grupo de alunos, isto é, não acreditam que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, na participação reduzida em actividades comuns que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.
O que acontece, sem ser por magia ou mistério, é que quando nós acreditamos que os alunos são capazes, eles não se "normalizam" evidentemente, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem e são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas e toda a restante comunidade.
Toda esta matéria, a educação de crianças ou jovens com necessidades especiais, assenta, do meu ponto de vista em três ideias estruturantes de todo o trabalho, estar, participar e pertencer, operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação.
É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que devem, obrigatoriamente, existir.

1 comentário:

  1. Subscrevo totalmente o texto, nomeadamente o ponto referente ao que os CRI´s se tornaram (ou foram criados para), um balão de oxigénio financeiro para algumas estruturas privadas.

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