AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 5 de dezembro de 2015

DO FIM DO ACTUAL MODELO DE ENSINO VOCACIONAL

De acordo como programa do PS e ao que se anuncia o Governo vai acabar com o ensino vocacional nos termos em foi criado por Nuno Crato.
Quem acompanha o que por aqui escrevo terá notado uma fortíssima reserva relativamente ao modelo definido e generalizado sem a necessária avaliação que só surgiu depois.
Volto a umas notas e a um comentário sobre a decisão de terminar com este modelo.
A criação deste modelo de ensino vocacional inscreve-se num conjunto de opções políticas, um persistente e determinado caminho de ir aliviando o "ensino regular" dos alunos "preguiçosos" e "burros" que só atrapalham e não deixam que os resultados escolares, quer dizer, os exames, o mantra de Nuno Crato, sejam excelentes. Na verdade, é mais interessante criar turmas de "descamisados", uma espécie de "alunão", um recipiente para onde se enviam a partir dos 13 anos os alunos que não prestam, chumbam, são preguiçosos e devem ser reciclados, do que estruturar apoios e recursos que os mantenham, tanto quanto possível, no ensino "regular".
Esta ideia foi vendida sob o princípio ajustado e que deve ser considerado de diferenciar e diversificar os percursos educativos mas continha o pecado original de se destinar sobretudo aos “maus” e "obrigatoriamente" aos chumbados como quem conhece a realidade facilmente reconhece.
Parece-me ainda importante recordar que Relatórios da OCDE e da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em ensino de carácter técnico e vocacional, muito cedo, demasiado cedo, em vez da aposta nas aquisições escolares fundamentais, aumenta a desigualdade social.
Quero deixar claro, tenho-o escrito e afirmado, que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a heterogeneidade dos alunos. Aliás, a oferta formativa de natureza profissional a alunos mais velhos, no âmbito do ensino secundário que também está a acontecer, pode ser um passo nesse sentido desde que não dirigido para os "que não servem" para a escola, alimentando uma ideia de “via de segunda”.
A questão que sempre considerei fortemente discutível num plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação tão cedo e “obrigatória” para os que chumbam. Poucos sistemas educativos assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Crato e colaboradores, o admitir não é nenhuma chancela de correcção do modelo como atestam as apreciações internacionais.
Os alunos com insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades "normais" irão “obrigatoriamente para” o ensino vocacional. Sabe-se que o insucesso escolar é mais frequente em famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as excepções, muitas. Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho intelectual como a UNESCO reconhece.
A diferenciação dos percursos é necessária e imprescindível mas, reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos e com o trabalho dos professores.
Dito isto também me parece importante que a decisão de acabar com o ensino vocacional tem que ser obrigatoriamente acompanhada pelo reforço ou criação de dispositivos de apoio a alunos e professores, de ajustamento nos conteúdos e organização curricular, no efectivo de turma que verifica em muitas escolas com populações mais expostas ao risco de abandono e insucesso, entre outros aspectos. Se assim não for pode ser algo de inconsequente ou mesmo alimentar problemas em vez de construir caminhos de resolução.
Tal como a decisão de acabar com o exame final do 4º ano, também o fim deste modelo de ensino vocacional está a gerar, veja-se a caixa de comentários que acompanha as referências na imprensa, uma enorme controvérsia muitas vezes assente em opinião e preconceito, quer quando se trata de opiniões favoráveis à decisão que sejam desfavoráveis.
Não é grave mas o ruído é pouco estimulante e contributivo para a lucidez que a complexidade do que está envolvido solicita.

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