AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 14 de julho de 2015

UMA HISTÓRIA DA INCLUSÃO

Era uma vez uma escola que tinha uma daquelas estruturas a que chamam Unidade de Ensino Estruturado, modelo bastante difundido e que carece, do meu ponto de vista, de uma avaliação externa e cuidada.
Era uma vez um menino que frequentava essa Unidade e que quando se deslocava para a sala de ensino regular, em nome da inclusão, era acompanhado por uma professora da Unidade.
Na sala do ensino regular o menino realizava, em nome da inclusão, as actividades estruturadas que levava da Unidade Ensino Estruturado, claro.
Acontece que o menino estava mais interessado nas actividades que os colegas realizavam e no que Professora do ensino regular dizia. Aliás, esse menino tem capacidades e competências para realizar muitas dessas actividades.
A Professora da Unidade de Ensino Estruturado insistia para que o menino realizasse a actividade estruturada que tinha trazido da Unidade de Ensino Estruturado.
O menino, cansado e impaciente solta um assertivo, "Cala-te, quero ouvir a Professora".
Esta história não belisca o trabalho de qualidade que é feito em muitas comunidades educativas mas ilustra a latitude de práticas e entendimentos que comprometem a qualidade do que é feito. É necessária, muitas vezes afirmo, a existência de dispositivos de regulação e supervisão que contribuam para apoiar os docentes e técnicos.
Resta acrescentar que tudo, tudo é feito em nome da inclusão, seja lá isso o que for.



4 comentários:

  1. A sua história faz-me, inevitavelmente, lembrar uma experiência muito especial que vivi como professora e que prova que a árvore não faz a floresta também nestes meandros.
    A minha escola é igualmente uma unidade de ensino estruturado, neste caso para alunos com perturbações do espectro do autismo.
    Há meia dúzia de anos, no início de um novo ano letivo, devido à falta de docentes da Educação Especial (em vias de colocação), pediram-me para ter um aluno autista nas aulas de 7º ano de Português (regular) da turma só por uns dias, com trabalho prescrito da unidade, mas sem professor, claro! (não havia docentes colocados que chegassem).
    Depressa verifiquei que o aluno não queria fazer o trabalho da unidade e, para além de estar muito atento ao que eu dizia, participando até com algumas intervenções e manifestações de satisfação, queria as folhas/propostas de trabalho dos outros e entusiasmava-se imenso com as motivações da aula: gravações, imagens, etc.
    Na tentativa de respeitar as instruções da unidade, ainda insisti várias vezes com ele para fazer as tarefas que trazia, até ao dia em que me bateu nas mãos para me impedir de lhe abrir o seu "dossier", de zangado. Acabou-se: o "dossier" passou a ficar na minha secretária logo no início das aulas seguintes e eu encarreguei-me de preparar materiais muito simples para ele desenvolver de algum modo as propostas que eu apresentava aos outros, com os mesmos conteúdos, por forma a que não notasse grandes diferenças. Assim que vi que dava resultado, falei com a colega da unidade para evitar que estranhasse ele não fazer as tarefas dela, o que até já estava a acontecer, confessou.
    Quando colocaram os novos professores, não consentiram que o aluno ficasse nas minhas aulas para sempre, alegando que lhe competia frequentar Português Funcional e que não devia ter uma carga horária excessiva, mas tiveram de permitir que ele lá fosse uma aula por semana, porque, segundo me contaram, ele chorou quando lhe disseram que não ia mais. (escusado seria dizer que fiquei toda vaidosa!)
    E assim foi até ao seu 9º ano naquela turma reduzida, tendo o mais surpreendente sido o modo como se integrava tão bem, sozinho comigo e com os colegas, e até aprendia coisas novas (a distinguir poetas, por exemplo. Adorava Camões, desde que viu este vídeo numa aula inesquecível, devido à sua alegria: https://www.youtube.com/watch?v=zEIzuAIHJic).
    Foi uma experiência espetacular! Aprendi imenso sobre as "diferenças" e sobre as formas de "ensinar diferente", se bem me faço entender.

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  2. NOTA: De salientar que a minha escola proporcionou sempre a todos inúmeras ações de formação sobre as perturbações do espetro do autismo, logo eu tive a vida facilitada, porque já as tinha frequentado.

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  3. Pois é Ana, a experiência que relata ilustra o que de há muito penso sobre isto. Eles, os "diferentes" são capazes. Como diz o cancioneiro popular português, se houvera quem me ensinara quem aprendia era eu.
    Excelente trabalho.

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  4. Excelente exemplo! Parabéns pelo empenho. É pena que nem todos os professores do ensino regular tenham essa sensibilidade.

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