O recurso ao metilfenidato com os
nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen disparou em Portugal nos últimos anos, de
23 000 embalagens vendidas em 2004 passou-se para cerca de 280 000 embalagens vendidas
em 2014, um crescimento assombroso e preocupante.
Na peça televisiva, para além dos
testemunhos de crianças, adolescentes e pais devem, do meu ponto de vista, salientar-se
as lúcidas intervenções da professora Inácia Santana e da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos que alertam para os muitos problemas e riscos envolvidos nesta
medicação.
Ainda face a este cenário e em
diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro ou Gomes
Pedro, muito recentemente, têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente
face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico. Este tipo de discurso, cauteloso
e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de
Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças
que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco.
Retomo algumas notas de textos
anteriores sobre estas questões, a forma como olhamos e intervimos face aos
comportamentos que os miúdos mostram. De facto, de há uns tempos para cá uma
boa parte dos miúdos e adolescentes ganharam uma espécie de prefixo na sua
condição, o "dis".
Se bem repararem a diversidade é
enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama
variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Temos também as crianças e
adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais
diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do
desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória,
distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade,
distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da
visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os
que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente
(dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos
contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos
desajustados, falta de apoios, etc.
Pois é, há sempre um
"dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem
que ter qualquer coisa".
De forma simplista costumo dizer
que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou
dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e
sentem dificuldades na “ensinagem”.
Agora um pouco mais a sério,
sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e
adolescentes mas, felizmente, não tantos como por vezes parece. Inquieta-me
muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos
"diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles
dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza
uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos.
Inquieta-me ainda a ligeireza com
que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem
que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o
recurso à medicação. Como se viu na peça da RTP os riscos da sobreutilização ou
uso sem justificação do metilfenidato tem riscos, uns já conhecidos, outros em
investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar
o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético
e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é
"dis"masiado grave.
Muito bom.
ResponderEliminarA ritalina faz maravilhas nesta sociedade distraída, preguiçosa e acomodada. Os senhores doutores resolvem as situações sem mais chatices, os pais e os professores ficam satisfeitos porque assim os meninos já não perturbam e mesmo estes ficam contentes quando vêem aparecer melhores notas nos testes.
Muito mais fácil do que corrigir as disfuncionalidades na família, na escola e na sociedade em que vivemos.
Linkei e comentei em https://escolapt.wordpress.com/2015/06/08/a-ritalina-e-a-salvacao/
Interessante o seu blogue, António.
ResponderEliminarOlá José.
ResponderEliminarSó é mesmo pena que só se fale disso. E ainda por cima com total desconhecimento do que se faz em complementaridade e em que sentido se medicam as crianças. É mesmo uma pena que toda a gente saiba falar do que está mal e não se dê voz ao que está bem. Enfim... somos todos responsáveis por este estado das coisas. Fico triste por se falar apenas no medicamento e no seu mau uso e nunca no bom uso do mesmo, dos seus efeitos necessários e casos em que é necessário. Erro há em todas as formas de intervir. Esta é apenas a mais fácil de criticar por quem sabe, como é o caso do José, e depois por quem não sabe, nos lê e tudo pode dizer.
Acho que temos de ter um papel diferente nestas coisas. Estou mesmo cansada desta conversa fácil sobre as Ritalinas e afins. E estou mesmo à vontade porque não sendo médica não a prescrevo. Mas sei a importância que tem na vida de muitas famílias. Assim também não vamos a lado nenhum. Apenas se assustam os pais, como se fez com as vacinas e o autismo aqui há alguns anos e depois de tudo ainda há consequências.
desculpe o desabafo, mas é a admiração que lhe tenho, sobretudo depois de o conhecer pessoalmente, que me levou a deixar este comentário.
Ana Rodrigues
Olá Ana, Agradeço o seu comentário. No texto escrevi "sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes mas, felizmente, não tantos como por vezes parece." A questão que me preocupa não decorre das crianças que recebe e acompanha e que têm diagnóticos bem feitos, competentes. O que a comunidade nacional e internacional sabe que é nem sempre tal se verifica e emergem casos de desajustamento da medicação como refere o Professor Gomes Pedro http://www.jn.pt/paginainicial/nacional/interior.aspx?content_id=4469830
ResponderEliminarCreio que a Ana tem consciência do enorme volume de queixas de pais e professores relativas a "défice de atenção" ou "hiperactividade". Algumas destas queixas, só algumas, relevam de casos que poderão vir a ser confirmados, outras não, não decorrem de facto de perturbações desta natureza. Importa, pois, que não sejam colocadas no mesmo saco. Foi apenas este o sentido do meu texto, um abraço e, mais uma vez, agradeço o comentário.
É impressionante a quantidade de jovens ritalinizados. Prefíro-os barulhentos e frenéticos, apesar de mim. Dá-me tristeza vê-los murchos, apáticos e não acredito que a maioria que toma essa medicação, efectivamente, precise dela. Há muitos pais ,e não só, que não têm paciência para os rebentos e muitos vêem a adolescência como uma doença com a qual têm dificuldade em lidar.
ResponderEliminarÉ um problema importante
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