AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 7 de maio de 2015

OS GUETOS DA SAÚDE MENTAL

O Público de ontem referia o arranque para Junho do Projecto de cuidados continuados em saúde mental. Este programa vai assentar na construção de unidades e aumento do número de camas na tutela, das Misericórdias e de outras instituições de solidariedade social. A opção é criticada pelo director do Programa Nacional para a Saúde Mental que entende por mais ajustado a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto, camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade, as orientações actuais, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade, aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida das pessoas. É importante recordar que apesar de algum atraso também em Portugal se tem assistido ao movimento de desinstitucionalização das pessoas com doença mental afirmado, aliás, no Plano Nacional de Saúde Mental e, daí, a posição de Álvaro de Carvalho.
Os modelos defendidos pela comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação. Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico “Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser devidamente suportado pela or unidades locais que providenciem apoio terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento. Aliás. A intenção do Governo, agora conhecida, mostra um sentido contrário.
Tal opção, parece claro, cria sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são também um indicador de desenvolvimento das comunidades.

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