"Contrariamente às primeiras
referências que se divulgaram não estará em causa a abolição de disciplinas,
elas mantêm e suportam a aquisição e domínio de saberes considerados essenciais
a nível nacional.
O que parece ser intenção é o
desenvolvimento de formas de trabalho em sala de aula que transcendam a lógica
do trabalho interior a cada disciplina, definindo um conjunto de tópicos que
exigem saberes oriundos das diferentes disciplinas e que serão trabalhados de
forma transversal. Do meu ponto de vista, a ideia não é nova e informava o que
seriam os objectivos da extinta Área de Projecto no nosso sistema educativo
embora esta fosse um dispositivo para lá do currículo, existiam as áreas disciplinares
e ao lado a Área de Projecto. Em torno de um Projecto (um tópico na proposta
finlandesa) seriam desenvolvidos trabalhos/projectos de natureza transversal
que mobilizando os saberes que os alunos adquiriam no âmbito do trabalho de
cada disciplina. No entanto, as práticas desenvolvidas e o próprio modelo nem
sempre correspondiam a estes objectivos que na proposta finlandesa surgem com a
"nobreza" de um modelo curricular e não algo para lá do currículo.
Esta Reforma assenta ainda em alguns
eixos fundamentais:
A colaboração entre professores
em sala de aula, modelos de coadjuvação ou co-teaching, por exemplo, como forma
de concretizar a intenção de transversalidade nos projectos a desenvolver pelos
alunos.
Um outro eixo remete para a questões
como o clima de sala de aula, a promoção as escolas como "comunidades de
aprendizagem", a importância da "alegria de aprender, a cooperação
entre alunos e a sua autonomia, que são identificados como "objectivos
chave" para esta reforma como refere Irmeli Halinen, Head of Curriculum Development do Finnish National Board of Education.
Um outro eixo importante é a avaliação das aprendizagens. Nesta sempre
complexa matéria a proposta de Reforma envereda com clareza pela promoção da
dimensão formativa da avaliação, pelo envolvimento e promoção da autonomia do
aluno na avaliação do seu próprio trajecto de aprendizagem retomando a ideia
conhecida de "aprender a aprender".
Finalmente, é sublinhada a
importância da autonomia das escolas e das comunidades locais no sentido de
optimizar contextualmente esta proposta de mudança.
Do meu ponto de vista esta Reforma
corresponde a uma "modernização" do pensamento educativo introduzindo
uma dimensão de globalidade e mobilização integrada e contextualizada dos
saberes aprendidos de forma mais compartimentada nas diferentes disciplinas
dando-lhes um sentido que potenciará a motivação e a aprendizagem e aquisição
de uma formação global não segmentada que actualmente se requer.
Parece-me ainda de sublinhar a
importância atribuída à autonomia das escolas e das comunidades locais para
que, mantendo o currículo nacional, se possam construir projectos que traduzam
especificidades contextuais e, portanto, com maior potencial de impacto,
motivação e aprendizagem.
Numa sintética abordagem
comparativa com a política educativa em Portugal diria que a visão sobre
educação e escola que informa esta Reforma está muitíssimo longe do que, do meu
ponto de vista informa a política educativa em Portugal.
A estrutura curricular actual
assenta em programas demasiados extensos, excessivamente prescritivos e na
definição de metas curriculares que, na forma como estão formuladas desde 2012,
fazem correr o sério risco de que o ensino se transforme na gestão de uma
espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a
impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus
ritmos de aprendizagem.
Aliás, neste contexto é
preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas
estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da
parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”.
Talvez seja de recordar que, no
caso do Português e da Matemática para o 1º ciclo as metas curriculares
estabelecidas definem um total de 177 objectivos e 703 descritores. Por
anos, temos: no 1º ano 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e
168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos
e 190 descritores.
Como exemplos de descritores
podemos mostrar “Apropriar-se de novos vocábulos: reconhecer o
significado de um mínimo de 150 novas palavras, relativas a temas do
quotidiano, áreas de interesse dos alunos e conhecimento do mundo (exemplos de
áreas vocabulares: casa, família, escola, vestuário, profissões, festas,
animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras
(sequências de letras que não têm significado mas que poderiam ser palavras em
português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas (em 4 sessões de 15
pseudo-palavras cada” ou “ler um texto com articulação e entoação
razoavelmente correctas e uma velocidade de leitura de, no mínimo, 90 palavras
por minuto”.
Recordo que está em discussão
pública o programa de Português para o ensino básico, estabelece perto de 1000
metas curriculares entre o 1º e o 9º ano e está a merecer sérias reservas à
Associação dos Professores de Português.
Aplicar este modelo de trabalho
em sala de aula para um grupo com mais de 20 alunos é uma tarefa que eu diria
impossível.
Parece-me claro que um modelo
desta natureza dificulta, eu diria impede, qualquer tentativa de flexibilização
curricular ou o desenvolvimento de projectos transversais.
Acontece ainda que o nosso
sistema tem vindo a encaminhar-se para uma hipervalorização da avaliação
externa em detrimento da avaliação de natureza mais formativa. A OCDE tem alertado
em sucessivos documentos para este caminho mas parece estar instalada a ideia
de que os exames, só por existirem, promovem qualidade, o que, evidentemente,
não acontece, antes pelo contrário, promovem uma retenção que não contém
potencial de melhorias como bem assinalou o CNE em relatório recente.
Creio também que o alargamento de
alunos por turma ou o abaixamento muito significativo de docentes no sistema
inibem o recurso a metodologias de
coadjuvação ou co-teaching reconhecidamente um contributo positivo e presentes
na Reforma anunciada na Finlândia.
Uma referência
ainda à questão da autonomia das escolas. O projecto-piloto em construção em
Portugal de municipalização da educação assenta, do meu ponto de vista, num
enorme equívoco, confundir municipalização com autonomia das escolas. Na
verdade para descentralizar não é necessário municipalizar.
De facto, de acordo com o modelo proposto e conforme alguns directores têm referido, a autonomia da escola não sai reforçada, antes pelo contrário, passa para as autarquias. O imprescindível reforço da autonomia das escolas e agrupamentos não depende da municipalização como muitas vezes se pretende fazer crer.
Atribuir, conforme está no projecto-piloto, 25% do currículo à responsabilidade das autarquias minimiza a autonomia da escola e não contribui para uma visão integrada em termos curriculares como consta, por exemplo, da proposta de Reforma a realizar na Finlândia.
Uma nota ainda para algumas referências identificadas como base da Reforma Finlandesa e já referidas, "a questão do clima de sala de aula", o entendimento das escolas como
"comunidades de aprendizagem"", "a importância da
"alegria de aprender"", "a cooperação entre alunos e a sua
autonomia" ou "aprender a aprender" que são identificados como
"objectivos chave" e que, do meu ponto de vista, são isso mesmo,
"aspectos chave".
No entanto, é
minha convicção que o Ministro Nuno Crato considerará tais "objectivos
chave" como um típico discurso "eduquês" (seja lá isso o que
for) e, como tal, identificados como uma fonte do mal, algo sem sentido ou,
numa versão mais de acordo com o espírito da época, "um conto para
crianças".
Gostei do teu texto e do alerta que, apesar do Crato, deixa na comunidade educativa. Da minha experiência com escolas, parece-me que não existe tanto um desacordo com esta linha, mas uma incerteza sobre como fazer. A 'autonomia' dos alunos e a 'alegria de aprender' soa aos docentes a indisciplina, descontrolo e falta de tempo para 'dar a matéria'. Os professores continuam a ocupar o estrado e o quadro, e sempre a falar, até à exaustão, com os alunos maçados e distraídos. Devolver a acção aos alunos, em trabalho individual ou de grupo, em debate de um tema, em preparação de questões sobre o que eventualmente aprenderam, exige saber conduzir esta dinâmica de aprendizagem, para poder extrair dela a síntese, ligá-la a metas de aprendizagem, e abrir caminho à curiosidade das crianças e dos jovens. Como é este método ensinado/treinado nas Escolas Superiores de Educação e nas Universidades? Por Psicólogos? Por Pedagogos?
ResponderEliminarO que é que os estagiários presenciam nos seus lugares de estágio?
Sobre a autonomia pedagógica das escolas, o que tenho visto é que a Direcção acha ela significa que cada professor encontra o seu método de 'lidar com a turma'. E que a maioria dos docentes acha que é mesmo assim que deve ser. Ou seja, protegido pela sua solidão e impunidade na sala de aula, cada professor segue a dinâmica, ou a estática que melhor tranquilidade lhe assegura 'dar a matéria'. Não parecem entender que a escola, enquanto instituição, deveria estabelecer uma linha pedagógica (como têm feito as escolas de referência desde os anos 60, como As Descobertas, a Fernão Mendes Pinto ou a Torre e, com orientação diferente, o Planalto) e criar as condições e os meios para que essa linha seja conhecida, funcione e apareça associada ao nível de sucesso dos alunos.
Enfim, concordo contigo que estamos na direcção oposta à da Finlândia, que desde as avaliações internacionais de há mais de 20 anos ocupa um lugar de elevado destaque nos níveis de sucesso educativo do seu sistema de ensino.
Como podemos ajudar na necessária mudança?
Olá Maria Benedicta, A formação de professores é de facto importante mas, do meu ponto de vista, a questão central remete para Que Educação? Que Escola? Da resposta a estas questões decorre também a formação de professores. Um abraço
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