AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 14 de março de 2015

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS E CONHECIDOS

A questão das agressões sexuais a crianças está na agenda devido a uma proposta do Ministério da Justiça de criar bases de dados para condenados por pedofilia e permitir o acesso a essas listas. A questão dos abusos sexuais dirigidos a crianças dado o crescente registo de casos e condenações é, evidentemente ma matéria da maior importância.
No entanto, esta proposta, a elaboração e acesso a lista de condenados por pedofilia é complexa e as experiências conhecidas noutros países em que existe tal procedimento também não são conclusivas em termos de prevenção e abaixamento da reincidência. No Público encontram-se argumentos favoráveis, de Dulce Rocha, presidente do Instituto de Apoio à Crianças ou desfavoráveis, Pinto Monteiro, antigo Procurador-Geral da República. Em ambos os argumentários encontramos reflexões pertinentes.
A proposta já foi reformulada e o acesso que pretende permitir é mais restrito e depende de autorização policial que avaliará o pedido de acesso, o que desde logo introduz uma dimensão de arbitrariedade a considerar. Apesar desta prudência, estamos em Portugal, é fácil imaginar que alguma imprensa acederá sem dificuldades às listas que colocará em manchete com riscos difíceis de prever em termos de efeitos sociais e comunitários.
De qualquer forma, creio ser consensual o entendimento de que a "explosão" do chamado caso Casa Pia colocou uma luz mais forte sobre este universo negro, os abusos sexuais sobre crianças, pelo que a comunidade parece ter ficado mais atenta. A prova desta maior atenção pode encontrar-se no facto de que a partir de 2002 ter aumentado exponencialmente o volume de denúncias e condenações. No entanto, as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas sabem que o volume de denúncias é apenas uma parte das situações de abuso.
Acontece ainda que os estudos conhecidos mostram que a maioria dos casos de abuso sexual sobre crianças e adolescentes envolvem familiares, amigos ou conhecidos das crianças ou famílias, além dos casos, em menor número, registados em instituições ou perpetrados por estranhos.
Neste contexto e para além de aspectos como a moldura penal para estes crimes, que muitos entendem ser excessivamente ligeira ou a existência nas esquadras policiais de uma lista de pessoas condenadas por pedofilia acessível mediante requerimento a pais e disponível a estruturas que lidam com crianças importa uma permanente atenção às crianças e aos sinais que transmitem.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça relativamente aos abusos sexuais de menores, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos bom se passa com eles. Em diferentes áreas, aliás.

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