AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 15 de março de 2015

A PERCEPÇÃO SOCIAL DE AUTORIDADE

"Agressões a profissionais de saúde quase triplicaram em 2014"

Segundo a Direcção-Geral de Saúde, em 2014 registaram-se 477 casos de violência dirigidos a pessoal de saúde o que significa mais do que o dobro dos casos reportados em 2013, 202.
Como eventuais explicações são habitualmente referidos os potenciais efeitos que a situação de grande dificuldade e económica que atravessamos, incluindo dificuldades específicas no âmbito do SNS, que tornarão as pessoas mais stressadas, mais instáveis e agressivas.
Sem minimizar estes efeitos de natureza mais psicológica que alguns especialistas também sustentam, creio que importa reflectir numa outra perspectiva.
Em primeiro lugar sublinhar que os profissionais da saúde não são os únicos destinatários de emergentes e regulares comportamentos de agressividade. Há algum tempo representantes de forças policiais vieram a público apresentar o mesmo problema e são demasiado frequentes e graves os episódios de agressão a professores.
Por outro lado, é minha convicção que, para além dos efeitos da crise, vale a pena considerar dois aspectos que me parecem essenciais, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a estes fenómenos.
Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os médicos e enfermeiros, entre outras profissões, professores ou polícias, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola, já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções "velhas".
O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”. O comportamento e os episódios conhecidos envolvendo figuras de relevo político, económico e social e a sua falta de consequências são elucidativos
Considerando este quadro, parece importante um trabalho no âmbito da formação cívica sobretudo no sistema educativo apesar do MEC a desvalorizar em termos curriculares e na formação profissional dos grupos profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de valorização da autoridade, não do autoritarismo.
Por outro lado e finalmente é ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

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