AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

INCLUSÃO PRECÁRIA E A TEMPO PARCIAL. É TEMPO DE ACABAR

Na Assembleia da República discute-se hoje uma Petição lançada pela Plataforma - Associações de Pais pela Inclusão que pretende ver revogada a Portaria n.º 275-A/2012. Esta normativo regulamenta a presença dos alunos com necessidades educativas especiais no ensino secundário. Segundo os promotores a Portaria “constitui um retrocesso nos desígnios de uma sociedade inclusiva, condicionando a aprendizagem e a profissionalização de muitos dos jovens com necessidades educativas especiais”.  Assim é, de facto. Algumas notas.
Com o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos, as escolas secundárias passam a receber uma população que até aqui "não conheciam", o que se constituiu uma preocupação natural. Na altura, questionada sobre as dificuldades das escolas, a responsável do MEC por esta matéria, admitindo com lucidez que as escolas possam não estar preparadas afirmou "quando um pai e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem".
Sobre isto escrevi, "Notável e perto do desrespeito pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve "pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas, antecipado o seu impacto, para atempadamente se garantir, tanto quanto possível, o bom andamento dos processos educativos".
Na verdade, as escolas "reagiram" e em algumas que conheço, a preocupação inicial deu lugar a ideias e projectos que estão em curso e são verdadeiramente interessantes.
No entanto, o MEC também reagiu e fez publicar uma Portaria (275-A/2012 de 1/9) absolutamente extraordinária. Dada a falta de espaço, algumas notas telegráficas.
Sendo o trabalho escolar nas escolas públicas da responsabilidade das respectivas equipas, o MEC distribui "responsabilidades" com estruturas privadas, os Centros de Recursos para a Inclusão, ainda uma resultante dos equívocos com serviços em "outsourcing" prestados por instituições e técnicos que não fazem parte da escola mas sobrevivem, mal, numa zona híbrida e estranha do sistema educativo. Como é evidente isto não questiona a competência e empenhos dos técnicos, mas o modelo escolhido.
Para alunos com Currículo Específico Individual (CEI), uma população altamente diversificada, determina-se uma matriz lectiva com cargas horárias fechadas esquecendo tudo o que é autonomia e diferenciação.
Uma pequena nota mais lateral sobre esta ideia de acantonar um grupo de alunos numa entidade designada por Currículo Específico Individual - CEI, uma bizarrice conceptualmente redundante, se uma estrutura curricular é desenhada para um indivíduo será, evidentemente, específica, donde fica estranha a designação.
Em muitas circunstâncias, apesar de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao abrigo dos CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da solução, situação potenciada com a Portaria do MEC relativa ao trabalho nas escolas secundárias. É um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, em algumas circunstâncias o trabalho desenvolvido com estes alunos é ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade.
Voltando à Portaria, esta determina que o trabalho com os alunos que  trabalho cuja "responsabilidade" é da escola ocupa 5, sublinho, 5 horas de uma matriz semanal de 25 h sendo as restantes da "responsabilidade" dos técnicos dos CRIS exteriores à escola.
Na definição das componentes curriculares encontram-se pérolas como "Matemática para a Vida" da responsabilidade da escola ou "Actividades Socialmente Úteis" da responsabilidade dos técnicos externos, cujos conteúdos serão certamente estimulantes.
A Portaria coloca fora da "responsabilidade" da escola tudo o que não seja Língua Portuguesa, Matemática (para a Vida, é certo) e Tecnologias de Informação e Comunicação que cabem na enormidade de 5 horas (!!!!). Claro, são tontos, não precisam de mais.
Na verdade muito do que aqui se contempla é matéria da óbvia responsabilidade da escola, Desenvolvimento Pessoal e Social, por exemplo.
Finalmente, um dos critérios de aferição da educação assente em princípios de inclusão é, justamente, a participação. Toda a Portaria é perigosamente omissa em matéria de promoção da participação dos alunos "especiais" na vida da escola e na relação, também em sala de aula, pois claro, com os seus colegas "normais".
Esta Portaria abriu a porta para a que os alunos com necessidades especiais estejam "entregados" nas escolas a tempo parcial e em regime precário, em vez de incluídos e envolvidos da forma possível na vida escolar da escola que, por direito, frequentam. Algumas famílias são mesmo "convidadas" a não er os seus filhos tanto tempo na escola.
Deve dizer-se que algumas escolas, direcções e professores se têm esforçado para que tal não aconteça, apesar da Portaria e do MEC.
Outras escolas, direcções e professores, sentem-se confortáveis com a Portaria. Afinal, que estão estes miúdos a fazer nestas escolas?
Em nome dos direitos dos alunos a uma educação de qualidade e à sua participação nas actividades da comunidade educativa a revogação da Portaria  275-A/2012 é um imperativo, assim como é imperativo que as escolas sejam dotadas dos recursos necessários à resposta educativa que decorre, justamente, desses direitos.

Sem comentários:

Enviar um comentário