AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

PODÍAMOS VIVER SEM O "ESQUEMA" MAS ... NÃO ERA A MESMA COISA

"Economia paralela cresce para 26,81% do PIB"

O presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia do Porto, Carlos Pimenta, afirmava em finais de 2012 que com a política de austeridade, sobretudo o brutal aumento da carga fiscal, a degradação da classe média e o agravamento das desigualdades sociais, iriam aumentar as fraudes e crescer o volume da economia paralela.
De facto, segundo dados hoje conhecidos disponibilizados pela mesma entidade, a economia não registada ou paralela continua a aumentar, representando actualmente em Portugal cerca de 26.81% do PIB, 45900 milhões de euros, 60% do montante pedido à Troika, o equivalente a seis vezes o orçamento do Ministério da Saúde. É obra.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "off-shore", à habilidade individual da ausência de recibo no dia-a-dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala e as dificuldades resultantes da crise e dos aumentos de impostos potenciarão, muito provavelmente, esse lado paralelo da vida económica. Aliás, creio que dados os cortes nos apoios sociais, relembro que menos de metade dos desempregados acedem a subsídio de desemprego, a economia paralela se tornou justamente a base de sustentação e sobrevivência para muita gente além de que minimiza o risco de turbulência social.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, o "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha", arranjar “um esquema” ou "dar um jeito" são parte integrante do quotidiano. Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado que varia na escala e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, o cidadão comum, nós, sentimos, creio, algo de muito significativo, não acreditamos que exista verdadeira vontade política de combater algumas das dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania.
Certamente que poderíamos viver sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.

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