O I retoma hoje uma matéria que poucas vezes é referenciada
na imprensa, a devolução de crianças em processo de adopção que assim voltam a
ser institucionalizadas. Há pouco tempo tinha sido noticiado pelo mesmo jornal
a devolução de uma criança de 11 anos, adoptada há quatro anos, que alegadamente
mostrava comportamentos desadequados na família adoptante mas não validados por
quem o conhece. Na altura referia-se que a criança tem-se mostrado perplexa,
muito inquieta e reactiva face a uma devolução que não sabe que aconteceu e a
uma situação que não compreende, deixou, de novo, de ter uma família. Segundo o Relatório Casa
2013 foram devolvidas 11 crianças durante esse ano. À excepção da criança
referida acima, todos as outras foram “devolvidas” ainda durante o processo de
adopção.
Na verdade, os casos de “devolução" de crianças em processo
de adopção são mais numerosos do que se imagina. Algumas das decisões tomadas
pelos Serviços de Justiça são incompreensíveis, sobretudo se escrutinadas pelo
“superior interesse da criança”.
Nos últimos anos registaram-se mais de 100 casos de crianças
que foram devolvidas, isto é, viram o seu processo de adopção interrompido.
Muitas destas situações deveram-se ao facto de as crianças "não
corresponderem às expectativas" das famílias adoptantes.
Vejamos com mais atenção. Uma criança, por qualquer razão
não tem uma família, está numa instituição, envolve-se num processo de adopção,
entra numa família que entende passar a ser a SUA família, deve sentir-se num
caminho bonito. Passado algum tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber
porquê e vive uma, certamente mais uma, experiência devastadora com efeitos que
não podem deixar de ser significativos.
Como é evidente, admito que em circunstâncias excepcionais o
processo possa ser interrompido mas, insisto, só mesmo numa situação limite
depois de esgotados os dispositivos de apoio às famílias adoptantes.
A lei permite, não sei se terá sido alterada, que durante
seis meses a criança possa ser devolvida, trata-se de um período de adaptação,
uma espécie de contrato à experiência. O Juiz Armando Leandro presidente da
Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, reconhecia há
algum tempo que a devolução não tem de ser baseada em "critérios
necessariamente válidos". Também há algum tempo num trabalho sobre o mesmo
tema, o DN citava um caso em que uma criança foi devolvida e trocada por outra
porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de devolução envolvem
dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a questões
económicas.
Como é de prever, os serviços procuram na fase pré-adopção
prevenir situações deste tipo, embora eles continuem a ocorrer.
Voltando ao tão apregoado "superior interesse a criança",
é difícil imaginar o que se passará na cabeça de um miúdo que passa anos a
construir uma ideia de família, a certa altura entra numa família a que chama
sua e de repente dizem-lhe que volta a estar só, na instituição, porque ... não
se dá bem com o cão ou não corresponde às expectativas. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem? ...
Mas as crianças, Senhores?
Dizer "a criança que adotei não corresponde às minhas expetativas" revela uma compreensão instrumental da criança, como se ela - usando a linguagem de Kant - fosse apenas um meio e não um fim em si mesmo.
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