AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 21 de junho de 2014

DE TANTO CHUMBAR, UM DIA APRENDES

O estudo do Banco de Portugal sobre o impacto negativo da retenção escolar, sobretudo nos primeiros anos vem, de novo, contrariar a errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de "cultura da retenção".
Na verdade, muitos estudos, nacionais e internacionais, mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias, desde o início da percepção de dificuldades, de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores. O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário é, apenas, um exemplo do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
O estudo do Banco de Portugal evidencia uma outra realidade também conhecida, a associação entre o nível de escolaridade dos pais e os resultados escolares dos filhos, ou seja, quanto mais alta a escolaridade dos pais, menor o risco de insucesso escolar dos filhos. Também aqui nada de novo mas mais um dado que importa sempre considerar.
Recordo que uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no Estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, os filhos de pais mais qualificados têm melhores resultados. Esta constatação não surpreende, estando em linha com estudos anteriores.
De facto, desde sempre os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O Relatório da OCDE, tal como este estudo do Banco de Portugal vêm confirmar a realidade que conhecemos, a dificuldade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais, uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo socioeducativo, em que por sucessivos processos de selecção que não garantem equidade nas oportunidades, a educação e a qualificação não promoverão mobilidade social ascendente.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, apoios a alunos e professores e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nos entregamos, daqui a algum tempo a OCDE ou o Banco de Portugal virão dizer exactamente o mesmo.

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