"Exames “transformaram escolas em centros de treino”"
Abre amanhã a época dos exames,
com a realização dos exames do 4º e do 6º ano. Multiplicam-se as referências,
justificadas, a esta matéria pelo que também neste espaço retomo algumas notas
que complementam algumas opiniões que o DN e o Observador, na sua primeira
edição a surgir amanhã, me solicitaram.
Continuo pouco convencido de que a
insistência obsessiva nos exames, muitos exames, sem que outras mudanças mais substantivas
ocorram, verdadeiras alterações curriculares, efectiva autonomia das escolas e
recursos suficientes para apoio ao trabalho de alunos e professores, só para
citar alguns exemplos, contribuam de forma significativa para a qualidade da educação.
A introdução dos exames como
panaceia da qualidade promove, do meu ponto de vista, o risco do trabalho
escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de
exames que realizam como muitos professores têm vindo a alertar e é
reconhecido, por exemplo pela OCDE em relatório de há algum tempo sobre a
avaliação no sistema educativo português.
Acresce que com um calendário
escolar desequilibrado levando a um terceiro período curtíssimo com a realização
insustentável dos exames do 4º e do 6º a meio do período para permitir aulas de
compensação aos alunos que obtenham resultados baixos, a situação é ainda mais
complexa.
Atente-se nos testemunhos de pais
e professores sobre o funcionamento das escolas durante o curtíssimo terceiro
período, sobretudo nos anos que têm exames nacionais, em particular os do 4º e
6º. O trabalho consiste, fundamentalmente, em preparar os alunos para exame,
tarefa que está longe se constituir como "único" objectivo da
educação escolar. Há ainda que considerar factores como a dimensão das turmas,
as metas curriculares excessivas e burocratizadas que inibem a acomodação das
diferenças entre os alunos ou a insuficiência de apoios às dificuldades de
alunos e professores que terão certamente influência nos processos educativos e
nos seus resultados.
Na verdade, quem conheça as
escolas do 1º ciclo sabe que o terceiro período se transformou num período de
preparação intensiva para os exames que deixa insatisfeitos professores e
alunos, questão também associada ao aumento exponencial do recurso aos centros
de explicações desde as férias da Páscoa e apenas acessível, naturalmente a
algumas famílias.
Os resultados escolares no 4º ano
e no 6º ano, nas condições de funcionamento e características das nossas
escolas, não se melhoram com uma explicação intensiva realizada no 3º período
do 4º ano e no período suplementar de aulas. Aliás, recordo, que no ano passado
em que se introduziu para o 4º ano o período de compensação os resultados foram
baixos, apenas 20% dos alunos recuperaram o que mostra a pouca eficácia do
modelo. Os exames, a realizarem-se deveriam acontecer no final do período e,
caso se entendesse a necessidade de uma "Nova Oportunidade", o novo exame
seria realizado algum tempo depois.
Julgo que deve ainda merecer
referência o conjunto de implicações logísticas e funcionais da realização
destes exames com a inaceitável "deslocalização" dos miúdos para
realizarem exames fora das escolas que frequentam, vigiados por professores que
não conhecem numa situação que traduz a desconfianças do MEC nos professores
das escolas públicas, pois no ensino particular a situação não se verifica.
Acresce ainda a necessidade de que os alunos dos outros anos de escolaridade
não tenham aulas, situação que deixa as famílias com mais uma dificuldade.
Ainda a propósito dos exames e
das condições de realização, algumas delirantes, lembram-se da exigência da
assinatura de uma declaração o ano passado aos alunos do 4º ano, algumas
opiniões falam do stress que isto poderá causar nas crianças. Não me parece que
isto possa ser significativo ainda que em casos pontuais possa acontecer. O que
verdadeiramente poderá causar stress nos alunos é o discurso dos adultos, pais e
professores, sobretudo, sobre os exames. O clima que se cria decorrente da
política educativa assente nos exames, a pressão para a excelência e para o
alto desempenho é que podem ser factores promotores de ansiedade. No entanto,
estou convicto de que a maioria dos miúdos vai lidar com os exames com
"tranquilidade", para citar Paulo Bento.
Como tantas vezes afirmo, a
qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e
regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho
dos professores, com a definição de currículos adequados e de vias
diferenciadas de percurso educativo para os alunos sempre com a finalidade de
promover qualificação profissional, com a estruturação de dispositivos de apoio
a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas
educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos
adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de
objectivos de curto e médio prazo, etc. O problema é que de há muitos anos a
educação anda à deriva das agendas políticas.
A insistência obsessiva nos corre
o risco de sustentar um discurso demagógico, as referências a exigência e a
rigor vendem bem, que deixa de lado os aspectos mais essenciais, a necessidade
de promover qualificação para todos, sublinho todos, os alunos e, insisto, a
disponibilização de apoios a alunos e professores.
O problema é que o período de preparação para os exames não é só o terceiro, é o quarto ano inteiro (no caso da minha filha), pois a professora avisou logo que como há exames, ia dar mais importância à Matemática e ao Português e que depois tratava do resto.
ResponderEliminarFaz-me lembrar o 12° onde não há programa mas treino intensivo para exames.
Consequências da examocracia que de mansinho substitui a educação
ResponderEliminar