Não é que alguém razoavelmente
conhecedor deste universo possa estranhar, mas a área da educação especial tem conhecido
alguma agitação. Famílias e entidades prestadoras de serviços de apoio
especializado queixam-se dos cortes severos por parte da Segurança Social que, argumentam,
têm levado a que milhares de crianças, cerca de 12 000, estejam em forte risco
de perder este tipo de apoios.
O Secretário de Estado da Solidariedade Segurança Social nega, evidentemente, a
situação, mas admite que o maior "rigor" com que os processos são
tratados possam conduzir a algumas "problemas". Confesso que fico
sempre preocupado quando oiço alguém da administração educativa, segurança
social ou saúde, por exemplo, falar de rigor. Quase sempre significa cortes nos
serviços e nos apoios às pessoas.
Nesta questão em particular parece-me
que a grande discussão será sobre a adequação do modelo que está em vigor e que
carece de avaliação e ajustamento.
Recordo que está em funcionamento
um Grupo de Trabalho, envolvendo também elementos da Segurança Social, que terá
três meses para apresentar propostas de revisão da legislação relativa à
Educação Especial. Para este trabalho o Grupo terá procedido a um estudo alargado bem como à audição de
instituições e especialistas. Acrescento que fui ouvido pelo Grupo de Trabalho no
decurso deste processo. Aguardemos pelos resultados.
Entretanto algumas notas
repescadas de outras intervenções.
Desde logo, creio que,
independentemente das mudanças legais que de há muito defendo no campo da educação especial e do apoio às dificuldades dos miúdos e famílias, muitos dos problemas actualmente sentidos, este ano lectivo tem sido
particularmente difícil, não relevam exclusivamente das insuficiências ou
problemas de legislação, mas das decisões políticas que estão para além da
própria legislação, como o corte de professores, técnicos e funcionários, a
colocação de mais alunos com NEE numa turma do que a legislação determina ou o
não respeito pelo que também está legalmente determinado em matéria de redução
de alunos por turma quando existem alunos com NEE. A questão da legislação,
para além da sua qualidade, implica, evidentemente, o seu cumprimento. Talvez o
MEC tenha de reformular o seu entendimento sobre o que é uma lei.
Recordo ainda que o OGE para 2014
para a Educação contempla menos perto de 20 milhões de euros considerando o MEC
e a Segurança Social, mais uma vez não é um problema de legislação é de decisão
política.
Relembro que em Julho de 2013 foi
conhecido o Relatório da Inspecção-geral da Educação e Ciência, Educação
Especial: Respostas Educativas, respeitante ao ano 2011/2012.
A avaliação envolveu 97
agrupamentos e escolas nas quais existiam 3489 turmas com alunos com
necessidades educativas especiais integrados e apenas metade tinham a redução
de alunos prevista na lei. Nada de estranho, como é sabido, o Ministro Nuno
Crato acredita que turmas grandes favorecem o sucesso educativo, mesmo o de
alunos com necessidades especiais.
No mesmo Relatório
identificavam-se alguns constrangimentos, alunos cegos ou com baixa visão sem
acompanhamento adequado ou mesmo sem ensino de braille ou de orientação e
treino de mobilidade, escolas que recebem alunos surdos sem ensino de Língua
Gestual Portuguesa ou sem intérprete, a maioria das escolas não estrutura
programas de transição para chamada vida activa, pós-escolar, não promovendo
eficazmente projectos de integração social que seriam desenvolvidos em parceria
com outras instituições. Este facto, que não me surpreende, lamentavelmente,
decorre de um dos equívocos estabelecidos nos últimos anos neste universo, as
Parcerias Público Privadas para a inclusão. O Relatório refere ainda a
insuficiência de professores, técnicos e intérpretes para o número de alunos
com necessidades especiais a frequentar as escolas analisada.
O ano de 2012/13 desenvolveu-se
nos mesmos parâmetros e o ano lectivo em curso foi catastrófico no seu início e
continua com enormes problemas, falta de respostas, professores, funcionários,
transportes, técnicos, desrespeito pelos próprios normativos relativos o número
de alunos por turma, quer no que respeita aos alunos com NEE quer no que
respeita aos seus colegas, etc.
É também verdade que, sempre o
afirmei, que com base num incompetente normativo que carece de urgente revisão,
o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de
apoio educativo e que estão abandonadas e "entregadas" em vez de
integradas, pese o empenho de muitos profissionais dedicados. Este cenário
acontece muito por força do que o Relatório da IGE aponta, falta de formação,
de recursos e de estratégias concertadas e consistentes de acolhimento das
diferenças dos miúdos diferentes, mais diferentes.
Também tenho a convicção e o
conhecimento de que esta legislação e a sua interpretação inibem, em muitas
circunstâncias, a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por
via da gestão de recursos com base na definição de taxas de prevalência de
problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a
realidade, quer pelos modelos de organização de respostas que impõe.
A minha reserva, confesso, é que
conhecendo nós o que tem sido a prática “reformista” do MEC, a revisão da
legislação possa não se realizar no sentido mais adequado, temos muitos
exemplos, a reforma curricular é apenas um deles.
A forma como está, em muitas
situações, a ser colocada em prática a extensão da escolaridade obrigatória até
aos 18 anos para muitos alunos com necessidades especiais é também pouco
aceitável em termo de educação inclusiva, qualidade e respeito pelos direitos
dos miúdos e famílias.
Entendo também que a prestação de
serviços educativos, na área da psicologia por exemplo, em
"outsourcing" ou as parcerias estabelecidas com as instituições
assentam num enorme equívoco que os cortes orçamentais tornaram evidentes as
dificuldades e o desajustamento do modelo escolhido, que na altura designei
como um logro criado junto das instituições privadas que intervinham na área da
educação especial e ao qual, por razões também económicas e de sobrevivência,
tiveram de aderir.
É este, do meu ponto de vista, um
retrato possível e breve do universo que está em análise.
Esperemos os resultados e as decisões decorrentes. Gostava de ser optimista, mas …
E já que se fala em Educação Especial e em Necessidades Educativas Especiais porque não GRITAR para relembrar que as crianças com capacidades excecionais (sobredotadas) não têm direito a qualquer acompanhamento legal?????
ResponderEliminarPaula
Olá Paula, o meu discurso envolve as dificuldades experimentadas por TODAS as crianças
ResponderEliminarOlá.
ResponderEliminarReferiu que foi ouvido pelo grupo de trabalho que está encarregue de proceder a esta dita reestruturação. Pareceu-lhe terem noção, por pequena que seja, que a realidade dos alunos com alínea b) não se compadece com nada do que está definido para um secundário? Que os CEF não são, de todo, para estes alunos pese embora tenham de andar na escola até aos 18 anos?
Estas são questões que me preocupam pois, na verdade, mais do que serem 30 alunos dentro da sala, a realidade é que nada está, devidamente, adequado a eles.
Apesar de, como disse, querer ser optimista, o que o MEC tem vindo a realizar não autoriza grandes expectativas
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