Aparentemente em contraciclo com os
dados globais divulgados pelo MEC em 29 de Janeiro último, a Procuradoria-Geral
Distrital de Lisboa, em relatório agora conhecido, refere que em 2013 desenvolveu 192
inquéritos a episódios de violência nas comunidades escolares, um acréscimo de 21.6% relativamente a 2012. De facto, o relatório do MEC sobre Segurança nas
Escolas sugeria uma tendência de redução do número de episódios reportados.
Alguns dados, em 2008/2009 registaram-se 3525 ocorrências, em 2011/2012
esse número desceu para 2218 e para 1446 em 2012/2013. Os casos mais frequentes
são os actos contra a liberdade e a integridade física das pessoas, 1577 em
2008/2009 para 1074 em 2011/2012 e 726 em 2012/2013. 94% das escolas não
participou qualquer ocorrência em 2011/2012, percentagem que subiu para 95,5%
em 2012/2013.
Importa, no entanto, considerar
que existem inúmeros casos não reportados pelas escolas, pelo que este tipo de
fenómeno requer permanente atenção até porque a concentração de alunos e o
aumento do número de alunos por turma potencia a emergência de situações desta
natureza. Aliás, tenho a convicção de que as pessoas que não conhecem os meios
escolares não têm a percepção da diminuição dos episódios de violência, antes
pelo contrário. De novo, algumas notas sobre esta matéria, suficientemente
complexa para que sejam tantas as dúvidas quantas as certezas, muitas.
Em primeiro lugar uma referência
à função professor. A imagem social dos professores tem estado sob pressão
continuada com o risco de sofrer uma erosão significativa. As razões são
variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte
da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, alguns dos
discursos dos lideres sindicais e as afirmações ignorantes e irresponsáveis de
alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo. Este processo
mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os
professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não
trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não
quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a
notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça
respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e
fraqueza que minam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e
ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem
social induzida.
Por outro lado, a cultura
profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é
ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que,
lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha
profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem
aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de
incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de
fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior
cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou
negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na
definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais
experientes ou à presença de dois professores, por exemplo, que dariam aos
professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Importa pois, muitas vezes o
refiro caminhar no sentido do reforço da imagem social dos professores como
fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente,
incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos
professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com
receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em
que um docente se pode sentir. Este caminho é da responsabilidade de todos,
ministério, sindicatos, direcções de escolas e agrupamentos, pais, professores
e alunos.
A segunda nota remete para a
instituição escola. Em primeiro lugar, a escola é, será sempre, um reflexo do
contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se
integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência,
em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em
tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de
impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem,
responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará
certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará
por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.
Um segundo aspecto prende-se com
o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência escolar estão associados,
não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos
competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto de que nas
escolas devem ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo,
para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias
mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas
irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer
aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os
efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Uma outra questão ainda dentro da
instituição escola, prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais
significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência,
delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo
nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, a sala de aula parece-me
fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio
escolar.
Em muitas escolas a insuficiência
de pessoal auxiliar não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro
lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de
conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências,
muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou
receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas
digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços
educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam
pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria
ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática
do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das
escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão
que me parece desejável.
Professor, o que me parece que está a "minar" a escola é que ela mesma deixou de ser um local de afectos. Os professores muitas vezes escondem-se atrás de toda essa "má imagem social" de que fala, para justificarem o seu isolamento e a falta de ligação com os seus alunos. Os miudos só convivem com os professores numa óptica hierárquica de sala de aula em que o prof ensina e representa a autoridade e os alunos aprendem(ou não).A dimensão humana do professor não existe porque o professor não a partilha. Ninguem respeita quem não conhece.
ResponderEliminarPercebo o que diz, mas as condições e as políticas também contaminam o clima social das escolas com reflexos nas relações entre pessoas.
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