Hoje, tenho-me lembrado do meu pai, homem que partiu há quase quarenta anos num dia que a agenda assinalava hoje, como hoje.
Uma das muitas razões pelas quais o meu pai foi meu pai, foi pelo facto de contar imensas histórias, quase sempre criadas no momento. Não tínhamos televisão, líamos algumas obras que ele trazia da biblioteca dos operários do Arsenal do Alfeite onde era serralheiro, ouvíamos alguma rádio, mas lembro-me sobretudo das histórias, todos os dias inventadas.
A memória destas histórias também se acendeu porque, em quase todas, entrava um personagem que dava pelo nome de Arranja Moinhos, não me perguntem porquê mas era esse o nome que o meu pai lhe dava e o meu pai fazia sempre as coisas bem feitas. Era fantástico o “Arranja Moinhos”, sempre que a história entrava numa fase mais complicada, fosse qual fosse a situação ou as dificuldades que os personagens enfrentassem, lá aparecia o Arranja Moinhos que tudo resolvia, tudo tratava e a história, claro, acabava bem, para descanso dos fascinados ouvidores eu, o meu primo e, às vezes, mais um ou outro miúdo da vizinhança. Era certo, de vez quando lá tínhamos outra aventura do Arranja Moinhos, complicada e cheia de problemas, mas em que ele genial e cheio de saberes dava sempre a volta e se saía a contento.
Pensei como nos tempos que correm, em que tudo parece estar mal e sem conserto, daria jeito aparecer o Arranja Moinhos. Tenho a certeza que ele havia de encontrar uma maneira de nos ajudar a sair dela. O meu pai dizia que ele era capaz de resolver tudo.
E eu, eu continuo a acreditar no meu pai. É verdade, partiu cedo, demasiado cedo, mas ainda a tempo de me mostrar o que nunca viu e lugares onde nunca esteve.
Não só as histórias estão carenciadas de "ARRANJA MOINHOS", como as crianças de pais que contem histórias.
ResponderEliminarA sociedade actual é perita em desenraizar a prole dos progenitores.
As consequências chegam-nos pela televisão ou páginas de jornais.
VIVA!
É curioso como a leitura do teu post me levou à ideia de que não difere muito o que hoje se espera de um pai, daquilo que era esperado e tanto nos encantava há umas dezenas de anos atrás. E se o digo assim, desta forma talvez demasiado simplista, é porque me causa (continua a causar) imensa brotoeja as infindáveis criações, com uma vastíssima gama de suportes técnicos, de que se servem hoje os paizinhos para dar uma componente lúdica de entretenimento à vida das suas crias. Uma parafrenália de ‘pais de substituição’ com que maquilham um dos erros maiores da paternidade dos nossos dias; sim, refiro-me a esse aí a espreitar na metáfora oculta do teu ‘Arranja Moinhos’ – O TEMPO que os nossos pais nos davam. Esse inestimável e precioso sustento para a mente infantil que é o tempo (leia-se, a atenção) que os papás (não) lhe dão.
ResponderEliminarOlá Santiago, Justamente por isso comecei o texto por "Uma das muitas razões pelas quais o meu pai foi meu pai, foi pelo facto de contar imensas histórias ..."
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