Na semana em que se prevê a votação em plenário da Assembleia da República da proposta
há meses apresentada pelo PS no sentido de possibilitar em algumas circunstâncias
a co-adopção de crianças por casais homossexuais e que há meses o Parlamento
aprovou com alguma surpresa, a JSD vai propor a realização de um referendo sobre
a co-adopção de crianças por cônjuges ou unidos de facto do mesmo sexo e a
adopção por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto, lê-se no Público.
Esta iniciativa e a votação em plenário da proposta do PS
reintroduz na agenda a questão a homoparentalidade embora, na verdade, ela se
tenha mantido objecto de referências regulares. Neste contexto e porque me
parece oportuno retomo notas antigas.
Creio que este é o tipo de questões que estarão
permanentemente em aberto, dificilmente matérias fortemente contaminadas pelos
valores se encerram independentemente dos quadros normativos que se vão
construindo, aliás, são públicos os esforços no sentido de chumbar a proposta
entretanto aprovada quando voltar ao plenário da AR.
Na verdade, para além dos discursos anónimos ou
identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos
ignorantes, mais ou menos sofisticados e assentes, aparentemente, em ciência
ficarão sempre os valores e a forma como se olha o mundo. Não é grave, pelo
contrário, parece-me normal e legítimo mas importa assumir que se trata de
valores e não de ciência.
Se estão recordados, há poucos meses a Ordem dos
Advogados divulgou um parecer contra a proposta de permitir a co-adopção
fundamentando na ideia de "família natural" o que faz pressupor para
a Ordem dos Advogados que numa situação em que uma mãe jovem fique viúva e
decida viver com a sua mãe, ficando assim a sua filha ou filho a viver com duas
mulheres, teremos uma família "não natural" que, eventualmente,
colocará a criança em risco. É fraco o argumento que aliás motivou uma tomada
de posição de alguns advogados pouco confortáveis com a pobreza da argumentação
e posição da Ordem. Um artigo do Bastonário posteriormente divulgado no JN é
uma peça antológica do preconceito e da desinformação.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma
imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que
entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por
não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão,
o Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a
Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu
considerou que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria
“prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter
legalmente duas mães ou dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a
adopção e que se organiza em torno de três grandes ideias, e que são a eventual
dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade
psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido
de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência
realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas
de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de
Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma
nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos
expressos num trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de
registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava
"apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e
co-educar crianças". Também já este ano a Ordem dos Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das
investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de
casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao
impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências
parentais"
Neste sentido, podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias
heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e
vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador
integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem
múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto
escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas,
pelo contrário, combater a discriminação sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma
propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza
mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de
famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas
cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem
com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram
caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças quase sempre não
sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou
homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam,
etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente
em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos
com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males
comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.
Tudo o que disse é extremamente pertinente. Sublinhe-se também o parecer positivo dado pelo Bastonário da Ordem dos Psicólogos à coadopção.
ResponderEliminarHá questões muito mais importantes que deveriam ser levadas a referendo. Esta, não é, sem dúvida, uma delas.
Cumprimentos,
alaranjamaisazeda.blogspot.pt
Convido a assinarem e a divulgarem esta petição:
ResponderEliminarLegislação da Parentalidade por Casais do Mesmo Sexo em Portugal