Nas mais variadas situações e no contexto de diferentes áreas do nosso funcionamento em comunidade, é frequente
ouvir considerações sobre a intolerância que demonstramos. Aliás, a
intolerância, nos discursos e nos comportamentos, é muitas vezes identificada
como justificação para conflitos e
crispações ao nível das pessoas, dos grupos sociais de natureza diversa ou
mesmo de comunidades mais alargadas como países.
Apesar de também assumir este
entendimento devo confessar que começo a duvidar do seu ajustamento. Na
verdade, vou-me interrogando de forma progressivamente mais consistente se os
termos da questão não devem ser colocados ao contrário, ou seja, em vez de um
problema, por assim dizer, de intolerância, talvez tenhamos um problema de
tolerância, creio que estamos a ficar mais tolerantes o que, paradoxalmente, me
parece um mau caminho como tentarei explicar, acho que também para mim mesmo.
Todos os dias sabemos de
comportamentos que atropelam direitos básicos e a dignidade das pessoas.
Toleramos esses comportamentos muitas vezes sem um sobressalto de indignação.
São frequentes os discursos e
comportamentos das lideranças políticas, económicas ou de outra natureza que
são verdadeiros insultos à nossa inteligência e aos mais elementares princípios
éticos. Toleramos estas situações que,
muitas vezes, não nos merecem mais que um encolher de ombros que traduz a
indiferença perante a normalidade.
Toleramos de forma razoavelmente
acomodada que nos insultem afirmando que vivíamos acima das nossas
possibilidades e agora vivemos abaixo das nossas necessidades quando na verdade,
a maioria das pessoas não vivia acima das suas possibilidades e muitas dessas
pessoas sobrevivem actualmente francamente abaixo do que precisam para viver
com dignidade. Toleramos que nos empobreçam quando nunca fomos ricos e ainda
dizem que a responsabilidade é nossa.
Toleramos o despudor dos negócios
que, encostados à partidocracia e geridos por um grupo restrito de pessoas,
sempre as mesmas, apesar da dança das cadeiras, se realizam com base numa
estranha distribuição de papéis, esses grupos absorvem eventuais lucros e nós
pagamos os prejuízos, muitas vezes com custos bem pesados.
Não quero abusar do espaço com
mais exemplos. Creio que chegam para partilhar convosco esta ideia que
devagarinho me vai parecendo clara.
Estamos a elevar o nosso limiar
de tolerância, conseguimos ir acomodando o que nos acontece e rodeia de forma
relativamente tranquila, estranhamente tranquila.
A notícia referida em cima pode mostrar alguém deixou de tolerar o empobrecimento a que o condenaram.
Caro Zé Morgado,
ResponderEliminarA questão suscitada é interessantíssima. No entanto, parece-me que a mesma não é resolúvel compaginando-a em sede de tolerância versos intolerância.
Na minha perspetiva, a resiliência e resignação seculares condicionam o comportamento. O estado será mais de um alheamento aparente, do que um aumento da tolerância…
Vaticínio mesmo que será uma trivialidade que em dia porá fim ao topor.
Cumprimentos
Tem toda a razão, o texto é uma provocação "simplista" e como diz existe um conjunto complexo de factores que contribuem para o "torpor", "acomodação", "resignação", "tolerância", o que quer que seja, incluindo o peso da cultura judaico-cristã e umas dezenas de anos de Estado Novo cujos efeitos ainda permanecem e não só nesta questão.
ResponderEliminarCumprimentos
Caro Zé Morgado,
ResponderEliminarEu não diria simplista, antes digo muito inteligente e oportuna.
Cumprimentos,