AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 27 de julho de 2013

CLIMA DE UNIÃO NACIONAL? Nem com as alterações climáticas.

Ainda no rescaldo da tentativa gorada de estabelecimento de um compromisso de salvação nacional por imposição do Presidente da República, Passos Coelho insiste na retórica do consenso recuperando uma ideia que acorda memórias pouco simpáticas, a de um "clima de união nacional”.
Tal como aconteceu com a iniciativa imposta por Cavaco Silva, também esta insistência na convergência, num “clima de união nacional” está condenada ao fracasso e toda a gente creio, tem disso consciência, incluindo Passos Coelho.
Contrariamente ao que a maioria das lideranças parece acreditar nos discursos que produz, a realidade não é a projecção dos nossos desejos e todos sabemos que na cultura e na praxis política que temos, “consenso” ou variantes como “pacto de regime”, “desígnio”, “grande projecto”, “convergência” ou agora “união nacional”, etc., fazem parte do núcleo duro da retórica política e constituem referências obviamente inconsequentes. Veja a este propósito a posições de figuras significativas de diferentes quadrantes políticos.
A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral. O Presidente, o Primeiro-ministro, os parceiros sociais, as lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são particularmente animadoras.
A conflitualidade inerente aos interesses da partidocracia tornam obviamente impossível o estabelecimento formal do tal entendimento alargado ou consenso.
O que a história a autoriza a considerar como plausível, é definição de uma cenário de mudança com base numa "negociação" mais ou menos discreta e não ameaçada pela alternância de governo entre os chamados partidos do arco do poder pois, em substância, a questão é justamente o poder. As experiências governativas envolvendo "entendimentos" entre PS e PSD mostram isso mesmo, morrem, pois acabam por não "servir" a nenhum deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos que não têm voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento ou do consenso pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a funcionar, dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que estes que não "chegam" a estar representados no poder são a maioria. Aliás e curiosamente, já se fala em possíveis "entendimentos" entre PS e CDS-PP num cenário de governação pós-Passos Coelho.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância aos apelos a entendimentos e consensos alargados pois, obviamente, não servem os interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e, naturalmente, sem consequências substantivas.
Como referi num texto anterior, a manutenção da actual solução governativa é justificada com a ideia de uma imprescindível estabilidade política. Como é óbvio, não creio que exista alguém que sustente a instabilidade política como um bem. Mas a questão central, do meu ponto de vista, é que a estabilidade assenta em políticas sólidas, claras e transparentes, sérias e credíveis, com visão, viradas para as pessoas. Estas características, entre outras é que dão estabilidade, segurança, confiança, às pessoas.
Por outro lado, a estabilidade não é a manutenção de pessoas e de políticas que têm falhado, nacional e internacionalmente, como alguns dos autores principais reconhecem e os resultados conhecidos atestam, não é a falha sucessiva de previsões e objectivos, não é um permanente jogo de interesses e de gestão dos poderes pessoais e partidários. A estabilidade não pode assentar na pobreza, exclusão e desemprego crescentes. A estabilidade não se alimenta da desesperança que nos invade. Tudo isto é que verdadeiramente constitui a instabilidade.
Assim, paradoxalmente, em nome da estabilidade prolonga-se e sustenta-se a instabilidade acreditando num salvífico compromisso, convergência ou “clima de união nacional” que parece impossível. 

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