Nestes dias de chumbo parece
estar a instalar-se de mansinho, mas de forma progressivamente mais perceptível,
um sentimento que me parece inquietante, um sentimento de medo.
Em consequência de políticas e valores
extraordinariamente agressivos e pouco centradas nas pessoas, estas sentem-se
ameaçadas e sentem que está em causa muito
do que, com maior ou menor realismo, sentiam seguro para si e para os que lhes
estão próximos, o trabalho, uma imagem de futuro, a ideia de que "se
depender de mim, vai correr bem".
Todos os dias se ouve falar da
precarização das relações laborais, do aumento do desemprego, dos despedimentos
com a maior das ligeirezas, como se não estivéssemos a falar de pessoas e
devastadoras situações de pobreza e indignidade. Muitos de nós começam a pensar
"quando me vai tocar a mim?", "o que vai acontecer ainda?".
Das lideranças, de quem se espera
que promovam visão e confiança, apenas surgem discursos de mais dificuldades e
de uma insensibilidade que não parece de gente que gere os destinos de outra gente.
Os discursos que se ouvem e muitos
comportamentos que se observam são de medo, um pequeníssimo passo antes da
raiva de quem já não tem nada a perder.
Lembrei-me das letras do O'Neill
cantadas pelo José Mário Branco, agora parecemos estar a ficar perfilados de
medo.
E a seguir?
(...)
Perfilados de medo, sem mais voz
o coração nos dentes oprimido
os loucos, os fantasmas somos nós
(...)
o coração nos dentes oprimido
os loucos, os fantasmas somos nós
(...)
Não. nós já não somos pessoas, nem sequer números, nem gado. Somos coisas descartáveis que nem servimos para ser reciclados. Lixo, sim, lixo. Medo? sim, a princípio, agora já não. Roubaram tudo, só não me roubam a dignidade porque eu não deixo. Prefiro morrer. Bem haja Zé Morgado pelo seu espírito lutador.
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