AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 7 de abril de 2013

A REALIDADE ESTÁ ENGANADA, NÓS É QUE ESTAMOS CERTOS

Em síntese, foi preparado um Orçamento Geral do Estado para 2013 que desde o início se percebeu que continha normas com o sério risco de inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional veio, com uma demora inaceitável, validar isso mesmo, existem normas que ferem a Constituição e, por isso mesmo, o Orçamento deverá ser ajustado.
O Primeiro-ministro entende que a responsabilidade das eventuais consequências é do TC. É sabido que também as decisões do TC se inscrevem no cenário político português mas pelo que se conhece do acórdão, as decisões transcenderam a filiação partidária dos juízes. Temos assim que o Governo elabora um diploma, por acaso o mais importante instrumento da política governativa, o Orçamento Geral do Estado. A sua elaboração tem conteúdos anticonstitucionais. A responsabilidade pelas consequências é do Tribunal, não de quem as elaborou contra a Constituição. Notável.
Posto isto, o Primeiro-ministro, vítima inesperada do TC, afirma que o caminho, não podendo aumentar mais os impostos, só pode ser aprofundar cortes na despesa do estado, a receita que já conhecemos, menos despesa nas áreas sociais, ou seja, mais austeridade e um caminho de pobreza, exclusão e desprotecção social.
De há tempos para cá que boa parte das instâncias internacionais reconhecem que uma política assente quase que exclusivamente na austeridade provoca recessão e empobrecimento. É esse o caminho que Passos Coelho continua a entender como o adequado.
Quando nos dizem que não há alternativa, é interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados que conflituam com os interesses das pessoas. Basta recordar as parcerias ainda em vigor, as rendas escandalosas, o funcionamento da banca que está capitalizada mas não disponibiliza crédito à economia, designadamente às pequenas e médias empresas, justamente as que mais emprego criam.
Nós não precisamos de empobrecer, nós já somos um dos países mais pobres e assimétricos da Europa com perto de um terço da sua população pobre ou em risco de pobreza, com miúdos a chegar às escolas com fome, com gente sem trabalho e sem apoio social, cerca de metade dos desempregados não têm subsídio de desemprego, só como exemplo.
O que precisamos, insisto, é de coragem e visão sem subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a grupos minoritários de interesses.
Sempre me lembra a história que se conta no meu Alentejo do sujeito que indo, sem dar por isso, em contramão na auto-estrada, ouve avisar pela rádio que se encontra um automobilista a circular em contramão naquela via. O nosso amigo condutor ouviu e interrogou-se “Só um em contramão? Porra, aqui vão todos!”.
Não Senhor Primeiro-ministro, o Governo segue em contramão e insiste na habitual lógica de que a realidade está enganada, o Governo é que está certo.

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