AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 18 de março de 2013

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE

A propósito dos episódios de violência, que não são inéditos, no Bairro da Bela Vista em Setúbal, desta vez com uma tragédia acrescida, algumas notas. Há uns tempos escrevi, "Os tempos estão difíceis e crispados para os adultos, seguramente para boa parte dos adultos, e para os miúdos a estrada também não está fácil de percorrer. Alguns vivem, sobrevivem, em ambientes familiares disfuncionais que comprometem o aconchego do porto de abrigo, afinal o que se espera de uma família. Alguns percebem, sentem, que o mundo deles não parece deste reino, o mundo deles é um bairro insustentável que, conforme as circunstâncias, é o inferno onde vivem ou o paraíso onde se acolhem e se sentem protegidos. Alguns sentem que o amanhã está longe de mais e um projecto para a vida é apenas mantê-la. Alguns convencem-se que a escola não está feita para que nela caibam, uns por uma razão, outros por outra razão. Alguns sentem que podem fazer o que quiserem porque não têm nada a perder e muito menos acreditam no que têm a ganhar.
Alguns destes miúdos vão carregar para a escola a dor de alma que sentem mas não entendem, por vezes.
Não, não tenho nenhuma visão idealizada dos miúdos, nem acho que tudo lhes deve ser permitido ou desculpado e também sei que alguns fazem coisas inaceitáveis e, portanto, não toleráveis. Só estou a dizer que muitas vezes a alma dói tanto que a cabeça e o corpo se perdem e fogem para a frente atrás do nada que se esconde na adrenalina dos limites.
Espreitem a alma dos miúdos, sem medo, com vontade de perceber porque lhes dói e surpreender-se-ão com a fragilidade e vulnerabilidade de alguns que se mascaram de heróis para uns ou bandidos para outros, procurando todos os dias enganar a dor da alma.
Eles não sabem, eu também não, o que é a alma. Um gaiato dizia-me uma vez, “dói-me aqui dentro, não sei onde”.
A resposta das comunidades a esta situação tem necessariamente de ser repensada. Segundo dados da Direcção Geral de Reinserção, cerca de 40% dos adolescentes internados voltam aos Centros Educativos ou às prisões após os 16 anos. Esta altíssima taxa de reincidência mostra a falência do Projecto Educativo, obrigatoriamente definido para todos os adolescentes internados que assentaria em dois eixos fundamentais, formação pessoal e formação escolar e profissional. É neste âmbito que o trabalho tem que ser optimizado. É imprescindível que os meios humanos e os recursos materiais sejam suficientes para que se minimize até ao possível os riscos de reincidência.
A Presidente da Câmara Municipal de Setúbal reclama mais e melhor policiamento. Como é evidente, é fundamental garantir a segurança das comunidades mas não é suficiente. A intervenção punitiva e repressiva, necessária insisto, aparece em fim de linha, não pode constituir a principal forma pois não intervém nas causas, apenas nas consequências.
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos e episódios desta natureza. A questão passa, sobretudo, por abordagens de natureza mais preventiva na tentativa de construção de Projectos de vida viáveis envolvendo diferentes recursos das comunidades, passa pela capacidade das estruturas educativas com os meios e as metodologias adequadas minimizarem o insucesso e abandono escolares quase sempre associados a situações como a do Bairro da Bela Vista.
É importante ainda uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
A falta de eficácia e de recursos nos processos de intervenção em situações mais precoces tem como consequência a emergência de casos mais graves que poderão aumentar potenciados pelas dificuldades.
 Com custos insustentáveis para os próprios e para as comunidades.

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