AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 17 de março de 2013

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA

No Público de hoje refere-se a iniciativa de uma Fundação privada no sentido de proporcionar a jovens que terminam o ensino secundário um ano sem escola, sabático por assim dizer, passado em viagem, com o eventual desempenho de tarefas de voluntariado. Estas viagens são realizadas em grupos de dois e a ideia radica em experiências conhecidas em outros países, designadamente o chamado "gap year" dos britânicos.
Os promotores da iniciativa vêem este ano sabático como algo de muito vantajoso no percurso dos jovens no sentido de estimular a sua autonomia e conhecimento da vida antes de ingressar no ensino superior. As potenciais vantagens são superiores aos eventuais efeitos negativos da "perda" de um ano sem estudar. A Fundação promotora apresentou a ideia a deputados da Assembleia da República no sentido de sensibilizar o MEC para um eventual apoio, não o financiamento, para o incremento deste tipo de experiências.
Alguns especialistas ouvidos pelo Público, apesar de algumas vantagens, manifestam algumas reservas face às diferenças culturais, aos modelos sociais e às questões de natureza económica envolvidas.
Sobre esta questão algumas notas telegráficas.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar e em qualquer idade. Na verdade, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Dito isto, sou por princípio favorável a iniciativas que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança. por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. Os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, auto-determinados,  serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar, o que sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a  autonomia dos miúdos.
Este entendimento, que creio pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos, parece-me bem mais necessário que uma experiência realizada só por alguns, numa fase determinada da sua vida por mais interessante que possa ser e por mais efeitos positivos que possa produzir nos jovens envolvidos, quando corre bem, evidentemente.

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