AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 24 de março de 2013

AS PALAVRAS (MAL)DITAS

O chefe de missão do FMI, Abebe Selassie, nosso governante não eleito, fiscal do trabalho dos feitores que nos administram, produz em entrevista à Lusa um conjunto de afirmações inacreditáveis. Entre outras referências, o Sr. Selassie entende que “o resultado do emprego é muito infeliz”, manifesta-se “desapontado com o facto dos preços da electricidade e das telecomunicações não terem descido”. Estas afirmações são proferidas por quem é o mandante das políticas que produzem os efeitos que acha “infelizes” e o “desapontam”.
Esta gente não se enxerga. Não têm que ser humanos, no entanto, poderiam, pelo menos, tentar parecer. Na verdade, com alguma regularidade são produzidas afirmações que me deixam alguma perplexidade. Lembrar-se-ão as afirmações do Primeiro-ministro considerando que o "desemprego pode ser uma oportunidade para mudar de vida" e "não tem de ser visto como negativo". Recordo ainda os discursos aconselhando a emigração, a necessidade de se sair da "zona de conforto" ou ainda a famosa referência à necessidade de não sermos "piegas".
Umas notas breves, de um não especialista, sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.
A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão sobre a vida das pessoas. Assim sendo, as lideranças políticas assumem maior responsabilidade pelas afirmações que fazem.
Uma segunda nota prende-se com a justificação das afirmações, o seu conteúdo e forma. Todos os dias a imprensa e responsáveis de instituições de solidariedade social nos dão conta de situações de pessoas, milhares de pessoas, que estão a viver abaixo de um limiar que lhes garanta padrões mínimos de qualidade de vida, incluindo dificuldades de alimentação afectando crianças. Conhecemos muitas histórias de inacessibilidade a tratamentos e serviços de saúde por dificuldades económicas. Muitos milhares de famílias têm entregado as suas casas à banca por incumprimento de créditos, etc. Para muitas destas pessoas, afirmações como as que estão em análise são quase insultuosas e, portanto, inaceitáveis. Na verdade, este cenário devastador aumenta a pressão sobre o discurso dos líderes políticos, exactamente os que são responsabilizados pelos problemas ou, pelo contrário, de quem se espera a minimização desses problemas.
Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não é a de desvalorizar os dramas que afectam muitos milhares de pessoas.
No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudessem ser entendidas, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de se sentir envolvidas e agredidas. Quanto à intenção, a sua não existência, e acredito que não exista, não colhe. Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.
A questão é que os líderes políticos, os que verdadeiramente são líderes, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.
São palavras mal ditas.
O Sr. Selassie perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado ou, em alternativa, mesmo que não passasse de hipocrisia, expressar uma palavra de solidariedade para com os portugueses.

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