AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 28 de março de 2013

AS FORÇAS DE BLOQUEIO (remake)

A generalidade das pessoas assume com frequência um discurso sobre as dificuldades ou insucessos que se pode designar por "atribuição causal externa". Dito de outra maneira, quando alguma coisa não está bem ou não corre bem, tal facto dever-se-á a algo exterior à nossa acção ou responsabilidade. Falhamos por causa do tempo, da hora, do vento, dos outros, do material, etc., etc., conforme as tarefas e as circunstâncias. Como é evidente, este procedimento é bastante mais fácil o que atribuir a nós próprios a causa da dificuldade ou do insucesso. Nós somos bons e fazemos bem, se algo corre mal a culpa, a responsabilidade, deve estar algures. Também se percebe que, ao contrário, é com a maior das facilidades que atribuímos todos os sucessos e realizações às nossas competências e qualidades, o insucesso é que é culpa dos outros ou de alguma coisa.
No mundo da política são particularmente frequentes os exemplos deste funcionamento. Nas últimas horas tivemos dois exemplos muito nítidos.
Um poderá ser a entrevista de ontem do Eng. José Sócrates. Durante a maior parte do tempo o discurso foi no sentido de identificar as razões, externas evidentemente, que produziram dificuldades. Apenas se registou o reconhecimento de algo que não deveria ter feito, aceitar formar um governo minoritário. Tudo o que de resto aconteceu foi por responsabilidade de um conjunto de elementos, instituições ou circunstâncias a que um colega político num processo da mesma natureza chamou de "forças de bloqueio".
Um outro exemplo é o discurso de Passos Coelho remetendo para o Tribunal Constitucional a responsabilidade de uma eventual crise. A situação é curiosa. O Governo elabora um diploma, por acaso o mais importante instrumento da política governativa, o Orçamento Geral do Estado. A sua elaboração poderá ter conteúdos anticonstitucionais. A responsabilidade pelas consequências da eventual inconstitucionalidade é do Tribunal, não de quem as elaborou contra a Constituição. Mais um exemplo de atribuição causal externa a algo de que evidentemente é o primeiro responsável. Para citar um outro político, só faltou Passos Coelho clamar por "deixem-me trabalhar".
A qualidade das lideranças políticas também se afere pela capacidade de perceber e interpretar a realidade, ajustando políticas, discursos e comportamentos às circunstâncias históricas. Isto pressupõe a capacidade de mudança, de assumir da falibilidade, da humildade do reconhecimento do erro, sendo que esta atitude não deve ser confundida com fraqueza.
Ao contrário, a persistência no erro, a fuga para a frente, o entendimento de que a realidade está enganada e a sua visão é a certa, a persistência cega em políticas e em discursos fracassados, etc., são atributos dos pequenos líderes, dos líderes sem dimensão e capacidade liderança e de percepção dos problemas reais das pessoas, da maioria das pessoas.
É por isto, também, que o cenário político em Portugal é tão preocupante.

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