AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

ESPIRITUOSA DECISÃO SOBRE O ÁLCOOL MAU E O ÁLCOOL BOM

Contrariamente ao que tinha sido anunciado pelo Secretário de Estado Adjunto da Saúde, a legislação sobre o consumo e restrições à venda de álcool não interditou a venda de vinho e cerveja a menores de 18, apenas de bebidas espirituosas, para o vinho e a cerveja manteve-se a idade de 16 anos.
Espirituosa decisão obviamente demonstrativa da cedência às pressões que logo se fizeram ouvir quando a ideia foi anunciada. Fica assim estabelecido que existe um álcool mais álcool que outro, numa lógica pouco sustentável fora, naturalmente, dos interesses de produtores e distribuidores de vinho e cerveja. Será certamente excessivo, mas lembrei-me da incontornável referência do Estado Novo, “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”.
Neste quadro, pelos seus potenciais efeitos, o consumo de álcool por parte de adolescentes merece alguma reflexão, já por aqui considerada, sobretudo no que respeita à facilidade de consumo e aquisição e aos estilos de vida.
O consumo de álcool tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato, e o consumo excessivo e rápido (binge drinking). João Goulão, presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência referia há algum tempo que em termos de padrões de consumo, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens com 16 anos inquiridos referiram o este tipo e consumos enquanto em 2003 o indicador era de 25%. Algumas notas mais.
Uma primeiro aspecto a considerar é o facto de os adolescentes poderem facilmente comprar cerveja e outras bebidas, as “litrosas” ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o comércio mas veremos o efeito prático pois em diferentes domínios a restrição devido à idade nem sempre é respeitada. O consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional. Por outro lado, a venda processa-se com a maior das facilidades e sem qualquer controlo da idade dos compradores o que a alteração da idade, só por si, não mudará. Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista.
Como é evidente, já muitas vezes aqui o tenho referido com base na minha experiência de contacto com pais de adolescentes, não estamos a falar de pais negligentes. Pode haver alguma negligência mas, na maioria dos casos, trata-se de pais, que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber desejando que o tempo “cure” porque se sentem tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes de 13 ou 14 anos que, ilegalmente” compram as “litrosas” e acedem aos shots e aos seus pais que estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de agora legislar no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição do álcool mau e aos 16 se permitira a aquisição do álcool bom, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta.

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