Confesso que reli para me convencer de que estava a
entender.
A Dra. Sofia Galvão, ex-dirigente do PSD, organiza, a pedido
do Senhor Primeiro-ministro, uma Conferência sobre a Reforma do Estado, matéria obviamente pouco relevante do ponto de vista informativo. Ao que
consta, o objectivo do evento é auscultar a sociedade civil sobre esta matéria.
Acontece que foi determinado que, “Não haverá registos de
imagem e som (durante os painéis). A permanência dos jornalistas na sala é
permitida. Não haverá (reprodução de) nada do que seja dito sem a expressa
autorização dos citados" conforma anunciou a Sra. Dra. Sofia Galvão na sua
intervenção inicial.
Só as intervenções do Primeiro-Ministro serão abertas à
comunicação social e, ao que parece, foi proposto aos jornalistas o envio, ao
final do dia, de um resumo de um minuto e meio de imagens com som.
A ver se nos entendemos, os jornalistas podem assistir, mas
não podem informar, ou melhor, podem informar a partir do material que lhes é
fornecido pela organização, cujo conteúdo será, naturalmente, estabelecido pelos
organizadores.
Talvez com o ímpeto das mudanças na constituição a Dra. Sofia
Galvão e o Governo tenham esquecido um irrelevante pormenor, a chamada
liberdade de informação, um princípio fundador de qualquer regime democrático.
Não é certamente o primeiro “esquecimento” em matéria de direitos
constitucionais, mas é grave, muito grave.
Felizmente, alguns jornalistas, gente certamente consciente
do papel da imprensa e com espinha ética, um bem em extinção, ainda existem
alguns profissionais assim, terão abandonado a sala. Do meu ponto de vista é o
mínimo.
O despudor e o desrespeito desta gente por princípios
básicos de vivência democrática e surpreendente e assustador.
Não sou ingénuo e sei como é permanente a tentação de, mesmo
em regimes democráticos, o poder, os vários poderes, procurarem condicionar a
imprensa e utilizá-la em função da sua agenda e dos interesses de ocasião. Um
governo com o ministro Miguel Relvas é especialista nestas matérias, veja-se a
sucessão de casos sobre interferências nos órgãos de comunicação social. No
entanto, a institucionalização de censura com a conivência do Primeiro-ministro
é um passo que não podia ser dado.
Seria bem mais sério do ponto de vista político e ético
realizar o evento à porta fechada, como uma espécie de Loja alargada, o poder
tem experiência neste universo e nós não estranharíamos. Agora convidar a
imprensa, permitir que assista, proibi-la de produzir e divulgar informação a
não ser a que lhe é fornecida, é uma linha que não poderia ser transposta, o
regresso do lápis azul.
E a argumentação avançada para a imposição destas restrições até é uma ofensa à inteligência dos portugueses:
ResponderEliminar«Sofia Galvão [...] já tinha justificado as restrições aos media com a necessidade de evitar “constrangimento das conversas”, explicando que essa seria a forma de conseguir que não sejam noticiadas “afirmações descontextualizadas, sem autorização dos visados”»
Para além de ser também uma ofensa à ética profissional dos jornalistas, esta argumentação é a negação dos princípios elementares de um Estado de Direito, segundo o qual qualquer interveniente poderia contestar as “afirmações descontextualizadas" de que fosse alvo, exigindo contraditório, reposição da verdade, nem que fosse por vias judiciais.
Estes factos são a confirmação da linha ideológica preconizada por este Governo.