AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

M'ESPANTO ÀS VEZES, OUTRAS M'AVERGONHO

Li e lembrei-me de Sá de Miranda, "M'espanto às vezes, outras m'avergonho". O Primeiro-ministro afirmou hoje em Paris, "ninguém aconselhou os portugueses a emigrarem" por coincidência no dia que se divulgou que cerca de 44 000 portugueses emigraram em 2011 e a Secretaria de Estado estima que em 2012 o número será superior a 100 000, na maioria jovens.
Como o Público sublinha, quer Passos Coelho, quer Miguel Relvas, fizeram referências explícitas de incentivo à emigração. Lembrar-se-ão certamente do Primeiro-ministro aconselhar os professores excedentários a "abandonarem a sua zona de conforto" e a "procurarem emprego noutro sítio, "Em Angola e não só. O Brasil tem também uma grande necessidade ao nível do ensino básico e secundário”, disse durante uma entrevista ao Correio da Manhã em 18/12/11. Face à reacção a estas palavras, Paulo Rangel sugeria em 18/12/11 a criação de uma agência que ajudasse os portugueses que querem emigrar. Também Miguel Relvas em 7/1/12 no Público incentivou explicitamente os jovens qualificados a procurarem outros mundos tal como noutras épocas de dificuldades "fomos à vida, à procura de outros mundos".
Na verdade o despudor do discurso político já não consegue espantar-se, mas ainda me envergonha  e indigna. Nós ouvimos, lemos, temos memória e esta gente sem espinha nem dignidade insulta-nos com a maior da ligeirezas e, como sempre, não acontece nada.
Como já tenho escrito, não acho estranha a existência de um movimento de emigração, somos um país de emigrantes.  No entanto, para além do volume impressionante dos últimos anos, parece preocupante constatarmos que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida mas actualmente a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens, muitos altamente qualificados,  não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Alguns inquéritos junto de estudantes universitários mostram como muitos, a maioria, admite emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos afirmarem que pretendem voltar.
Parece-me relativamente claro, insisto, que quando se fala de emigração, a questão central nesta matéria não é o movimento que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país, trata-se também da construção de um projecto de vida auto-determinado. Sabemos, aliás, que é desejável em diferentes perspectivas, que estes fluxos se realizem.
O que me parece fortemente significativo é o que representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no nosso país.
Seria sobre este cenário que se esperaria que um Primeiro-ministro tivesse algo a dizer e não uma desavergonhada afirmação desmentida pela memória e pelos registos.

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