AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 30 de outubro de 2012

OS BRANDOS COSTUMES REVISTOS EM BAIXA

Segundo a imprensa, um responsável do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) admite que a próxima visita da chanceler Ângela Merkel possa desencadear fortes manifestações de protesto aumentando significativamente o risco de violência nas ruas.
Na verdade, nos últimos tempos têm-se sucedido episódios que apesar de frequentes noutras paragens, são relativamente raros entre nós, embora também não inéditos, isto é, reacções significativas de hostilidade face aos representantes do poder político. Estes episódios têm envolvido ministros, o Primeiro-ministro e até mesmo o Presidente da República. Em algumas situações tem-se verificado saídas precipitadas, alteração de agenda, etc.
Estas manifestações, que a retórica política manda designar como descontentamento normal em democracia, mas que as condições de vida, ou melhor, a falta delas, sugerem que se pense em indignação e revolta por se sentirem ultrapassados os limites.
Não adianta sucessivos elogios que os líderes políticos fazem aos portugueses, “o melhor povo do mundo” como nos designou Vítor Gaspar.
A brutal deterioração das condições de vida dos portugueses, a percepção de assimetria nos sacrifícios e a ausência de esperança, as constantes e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites. O desemprego atingiu um nível recorde, prevendo-se ainda o seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e testa fortemente a sua paciência e a contenção da indignação e revolta.
A desesperança e a luta diária pela sobrevivência contribuem para instalar um perigosíssimo sentimento de “já não há nada a perder”, perdemos, roubaram-nos, tudo. Este sentimento de já não tenho nada perder pode ser um “gatilho” que a presença da chanceler Merkel, alguém que é associado, não certamente por acaso ou pela cor dos olhos, à condição que temos, que desencadeie um movimento muito forte de contestação e protesto ou mesmo de violência.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar. Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Na verdade, dizem que somos reconhecidamente um povo de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.

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