Um dia de lida comprido e
cumprido no meu Alentejo só me permitiu a leitura tardia do Expresso de ontem.
Na 1ª página bato com os olhos em "Vai haver cursos práticos no 5º
ano". Atentei melhor, podia ser do cansaço, não pode ser o que estou a
pensar, saltei para a pg. 28 e lá estava. É verdade, o MEC pretende criar uma
via diferenciada, aos 10 anos, "consagrando alternativas mais adequadas,
que preparem os jovens para a vida, dotando-os de ferramentas que lhes permitam
enfrentar os desafios do mercado de trabalho". O MEC informa ainda que este
caminho será escolhido por "opção do aluno" ou por "sugestão da
escola". Mais acrescenta que é sempre necessária a autorização dos pais e que um
aluno que tenha enveredado por esta via, pode retornar ao percurso geral se
fizer os exames nacionais no fim do ciclo.
Fiquei estarrecido e indignado. A
ver se consigo explicar.
Em primeiro lugar quero deixar
claro, tenho escrito aqui dezenas de vezes, que é importante diversificar a
oferta formativa, a diferenciação de percursos, de forma a conseguir um
objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem atingir
alguma forma de qualificação profissional.
A questão que considero eticamente
criminosa é diferenciar este percurso aos 10 anos, algo que, como salienta o
Expresso, não existe em nenhum país que tenha algum sentido de equidade de
direitos e de competência em matéria de política educativa.
Como é evidente e o MEC admite,
os candidatos potenciais são os alunos em risco de insucesso. Voltamos ao meu
tempo, não tens jeito para escola vais para o campo, não tens jeito para os
trabalhos "intelectuais" vais para os trabalhos "manuais",
"práticos" como lhe chama o MEC. Afirmar que um aluno de 10 anos
"opta" é um insulto, uma criança de 10 anos não "opta",
como sabem se forem sérios, nem a lei nem a sua maturidade lhe permitem
"optar". Aliás ele não é o seu encarregado de educação, não pode, por
alguma razão isto acontece. Claro que a escola "opta" por ele,
"sugere" como diz manhosamente o MEC. Os pais têm que autorizar,
demagogia criminosa mais uma vez. Quem conhece os nossos territórios educativos
sabe bem da margem de negociação e grande envolvimento dos pais dos alunos
potencialmente candidatos a esta via e que esta "autorização" é uma
questão burocrática. Seja sério Professor Nuno Crato.
O aluno pode retornar ao percurso
geral do Ensino Básico fazendo os exames nacionais de ciclo. O desvario
ignorante, demagógico e mal intencionado continua. Qualquer pessoa que conheça
o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno ter frequentado uma
via mais "prática" durante o 5º e o 6º ano, apresentar-se a exame
nacional do 6º ano e ser bem sucedido é residual. Mais uma vez, seja sério
Professor Nuno Crato, a esmagadora maioria destes miúdos não voltarão ao percurso
normal, aos 10 anos são escolhidos para o "trabalho braçal". Pena terem
acabado os tempos do meu sogro e do mestre Marrafa, como milhares de outros,
começaram a trabalhar aos dez anos. Não atrapalharam ninguém na escola e é sempre necessário quem faça o trabalho
"prático".
Ainda não vi reacções a esta
indignidade insustentável e criminosa, mas não me espantará se merecer a adesão
de alguns, professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas, outros os
seus filhos afastados dessa escumalha que só serve para esses trabalhos manuais
"práticos". É claro que se a medida tocar aos seus filhos a questão é
outra, aí exigirão apoios ou procuram-nos fora da escola, porque sabem, todos
sabemos, que aos dez anos os miúdos devem aprender o que TODOS aprendem, da forma que conseguem aprender e com os recurso adequados.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde nos seus percursos, como se verifica em qualquer sistema educativo que se preocupe com os miúdos, com todos os miúdos.
A diferenciação dos percursos, necessária e imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde nos seus percursos, como se verifica em qualquer sistema educativo que se preocupe com os miúdos, com todos os miúdos.
Subscrevo o texto na totalidade!
ResponderEliminarSe calhar há esse tipo de cursos aos 10 anos e até aos sete... na China!
Isto é a tal mania do que estes meninos de coro se referem à tal "triagem" de alunos, no fundo a divisão precoce por castas! :(
Medida muito gravosa, se for levada por diante.
Vai além das triagens precoces a nível académico iniciadas há uns anos, no Reino Unido...
Na verdade, esta ideia é coerente com várias outras medidas tomadas no âmbito da PEC - Política Educativa em Curso, a estratificação da escola, a "eliminação" da sala de aula (normal) de todos os que criem alguma forma de problema
ResponderEliminarSubscrevo, Zé! Mas, para mim, PEC é mais "Porcaria Educativa em Curso"!
ResponderEliminarMandar directamenteos miúdos cavar terra nesta idade seria preferível. A hipocrisia é a grande aliada da desonestidade. E esta é uma medida inequivocamente hipócrita.
ResponderEliminarOpção sim, mas só após a conclusão do 9º ano. Que nenhum(a) pai/mãe ou professor cometa o crime de cortar asas a quem pode sempre voar. Acho que antes do 25 de Abril não se foi tão longe no insulto à educação.
ResponderEliminarIsabel V.C
A questão é que os pais, a maioria, não sentem "capacidade negocial" com a escola
ResponderEliminarNa Alemanha ao fim do primeiro ciclo (4º ano) os alunos são divididos em 3 tipos de escola:
ResponderEliminar- Hauptschule: os alunos menos dotados vão para esta escola, onde se dá mais prioridade a conhecimentos práticos. Ao fim dos 9 anos de ensino obrigatório os alunos enredam normalmente para cursos profissionais com uma duração de mais 3 anos. No fim eles são mestres na sua área.
- Realschule: esta escola é uma mistura entre as outras duas. Há mais disciplinas teóricas que na Hauptschule e é possível, portanto, fazer uma transição para o Gymnasium, havendo para isso exames especiais.
- Gymnasium: as crianças mais promissoras em termos de um caminho académico vão para o Gymnasium, acabando o qual podem entrar na universidade. O programa é bem mais exigente em plano de disciplinas teóricas que nas outras escolas.
Não querendo dizer que este sistema é perfeito (e eu tenho as minhas dúvidas quanto a uma triagem tão cedo na vida das crianças), penso que ninguém porá sob questão a qualidade do ensino alemão. Aliás, a principal razão pela qual a Alemanha é líder mundial na indústria é a fabulosa preparação profissional dos trabalhadores e mestres fabris. Em acréscimo, uma profissão manual é tão bem vista pela sociedade (ou melhor), como uma vida académica.
No extremo oposto temos Portugal, onde a maioria dos alunos vão para a universidade, muitas das vezes para cursos sem saída. Não é raro haverem alunos repetentes ou com médias baixíssimas a escolherem o ensino superior. Ao fim do curso é natural que as pessoas já não queiram ir para um trabalho "sujo". É por isso que agora cada vez mais há falta de operários nas poucas fábricas que no país restam, isto à face de um desemprego crescente.
Portanto, pondo a questão em termos simples - o que queremos ser?
Portugal ou Alemanha?
Não sei se quero ser Portugal ou Alemanha, tenho apenas a convicção de que a "triagem" como lhe chama a miúdos com 10 anos é pouco sustentável à luz da conhecimentos actuais. Recordo por exemplo, que os "dotes" como lhes chama, não são estáveis nem definitivos aos 10anos, donde ... Quanto ao nosso entendimento sobre preparação académica e preparação mais profissionalizante, com a sobrevalorizaão da primeira estamos de acordo, mas é uma outra questão.
ResponderEliminarAgradeço o comentário
Não é só na Alemanha. A Suíça e a Bélgica têm um modelo semelhante. Todos sabemos que há crianças que não conseguem atingir os objectivos mínimos de final de ano mas continuamos a enganá-los e a passá-los e eles lá se vão convencendo que conseguem e aos tropeções lá chegam ao nono ano convencidos que vão continuar e lá continuam aos tropeções e.. e.. e... temos um país de doutores e desempregados
ResponderEliminar«Um dos problemas essenciais da educação reside no facto de a maioria dos países submeter as suas escolas ao modelo de controlo de qualidade das cadeias de comida rápida em lugar de adoptar o modelo Michelin. O futuro da educação não passa por uniformizar, mas por personalizar; não passa por promover o pensamento de grupo e a "desindividualização", mas por cultivar a verdadeira profundidade e dinamismo de qualquer tipo de habilidade humana.»
ResponderEliminarIn "O Elemento", Ken Robinson
Sou pai de uma criança de 13 anos que, nitidamente, não nasceu para o modelo de escola que lhe é imposto. Todos os dias lamento o facto de não encontrar uma alternativa para ele. Ainda que parecesse cedo, acredito que uma via mais prática traria mais felicidade ao meu filho e a toda a família.