Os dias de hoje e amanhã serão marcados pela
greve dos médicos que parece estar a acontecer com níveis de adesão significativos.
Como não é de estranhar, a realização de uma greve
por uma classe profissional contém, naturalmente, aspectos, justificações ou reivindicações,
que sendo particulares a esse grupo, nem sempre merecem a simpatia e
compreensão dos outros cidadãos, frequentemente afectados por essas greves.
No entanto, do meu ponto de vista, a greve dos
médicos, para além dos aspectos de natureza profissional inerentes, envolve mais
do que isso, constitui um posicionamento importante na defesa dos Serviço
Nacional de Saúde ameaçado por algumas decisões da tutela.
Se nos lembrarmos do recentemente divulgado
Relatório Anual sobre o Acesso aos Cuidados de Saúde registamos o incumprimento,
em crescimento, dos tempos de espera por consultas e cirurgias.
De 2010 para 2011, mais hospitais deixaram de
conseguir cumprir os tempos de espera previstos na lei. Na prática isto quer
dizer que em mais hospitais a espera por consultas muito prioritárias,
prioritárias e normais, bem como as cirurgias urgentes e programadas se fizeram
em prazos acima do que está estabelecido.
O Ministro da Saúde tem afirmado que nos
hospitais portugueses existem 1000 especialistas em excesso, o que parece
estranho face ao aumento dos tempos de espera pelas consultas e cirurgias. Continua
ainda a verificar-se a existência de muitos milhares de cidadãos sem médico de
família.
Muitos especialistas do universo da saúde têm
vindo a alertar para os constrangimentos que se começam a verificar no acesso aos
cuidados de saúde para boa parte da população. O Director da Escola Nacional de
Saúde Pública já se referiu ao enorme risco, para algumas pessoas será mais do
que um risco, será uma certeza, de situações de ausência de consulta ou
tratamento por falta de condições financeira e recursos, quer no que respeita
aos serviços, quer por dificuldades das próprias pessoas.
Por outro lado, quando tanto se fala no estado
social, nos limites desse estado, a privatização de serviços, por exemplo na
saúde, é fundamental perceber e entender que a comunidade tem sempre a
responsabilidade ética de garantir a acessibilidade de toda a gente aos
cuidados básicos de saúde. Os tempos que atravessamos criando obstáculos ao
acesso aos serviços de saúde são ameaçadores.
Como sempre afirmo, não tenho a menor das dúvidas
sobre a necessidade de introduzir racionalidade nos custos do SNS, de combater
o desperdício e a utilização imoderada. No entanto, a situação parece
encaminhar-se para um cenário fortemente ameaçador da prestação e do acesso aos
cuidados de saúde de uma boa parte da população portuguesa.
Como afirma Michael Marmot, que recentemente
esteve em Portugal, todas as políticas podem, ou devem, ser avaliadas pelos
seus impactos na saúde.
Talvez a ideia do "custe o que custar"
seja de repensar, pela nossa saúde. Seria desejável que o Ministério da Saúde e
as políticas de saúde não fossem prejudiciais para a nossa ... saúde.
Concordo plenamente. Esta greve não é só uma greve de uma classe; é uma greve por uma causa que é de todos nós. Claro que é mito fácil a um médico, por pertencer a uma classe comparativamente bem paga, fazer greve do que a muitos profissionais para quem um dia de greve representa um rombo considerável no ordenado. Mesmo com esta ressalva, apoio e aplaudo esta greve; os médicos, ao fazê-la, estão defendendo aquilo que lhes cumpre defender - o direito alienável aos cuidados de saúde.
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