Após mais um período de amplo
diálogo e estabelecimento de consensos, o MEC decidiu abrir a School's Ocean Race
neste oceano encapelado que é o nosso sistema educativo pelo que as escolas
devem começar a posicionar-se.
Com base num desejável princípio
de autonomia, o MEC, em normativo publicado ontem, confere às escolas a
possibilidade de construírem uma espécie de banco de horas, (donde conheço eu
esta expressão?), crédito horário como lhe chama, que poderão usar em projectos
ou actividades que se inscrevam nos seus projectos educativos.
A forma como se estabelece este
crédito assenta na estimulante fórmula CT = K × CAP + EFI
+ T em que: K decorre da
estrutura etária e tempo de serviço dos docentes da escola; CAP decorre dos
indicadores de gestão e é calculado com uma outra fórmula envolvendo a CL, componente
lectiva, a HSV, capacidade lectiva teórica e RCL, o somatório das horas de
redução; EFI - um Indicador de Eficácia Educativa que considera os resultados
dos alunos nos exames nacionais, as diferenças entre os resultados internos e
externos e a comparação do nível de variação dos resultados dos alunos com a
média nacional ou com o ano anterior; finalmente, T decorre do número de turmas.
Não está escrito, mas pressupõe-se, evidentemente, que estes cálculos
devem ser realizados sem o recurso à máquina calculadora.
Na verdade, de acordo com o
zeitgeist instala-se a School's Race, a competição, os resultados como
Objectivo Supremo. Se bem repararmos, apesar da retórica da autonomia, a
fórmula assenta exclusivamente na medida dos resultados ou em parâmetros
administrativos, ou seja, num país educativo dividido em TEIPs, alguns
Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e outros Territórios
Educativos com a Intervenção Possível, as características sociais e contextuais
das comunidades educativas estão ausentes, ou seja, o MEC considera que escolas
com determinado tipo de população discente mais problematizada, quase sempre
mal classificadas nos famigerados rankings, com equipas docentes mais instáveis,
mais jovens e inexperientes, um dos critérios da fórmula, vão competir pelos
créditos horários da mesma forma que escolas com outro tipo de população, com
equipas docentes experientes, estáveis e com bons resultados anteriores que as
colocarão em melhor posição na grelha de partida. Como perspectiva de
diferenciação e autonomia é, no mínimo estranho, embora, na verdade, não
estranhe.
Do meu ponto de vista e gostava de estar enganado,
o modelo agora conhecido sustentará
práticas de várias escolas públicas que recusam a matrícula de alunos em idade
de escolaridade obrigatória com base em critérios de “pedigree” escolar ou que
são “sensíveis” aos pedidos de ingresso por parte de famílias de alunos com bom
currículo, por assim dizer, correndo-se o risco de alimentar um cenário de
escolas “guetizadas” num sentido ou noutro, umas que recebem predominantemente
bons alunos que por sua vez também lhes permite ter mais crédito horário que alimentarão
melhores resultados num círculo que dificilmente se quebrará.
Como afirma Biesta numa obra notável, de leitura
recomendada para os ocupantes da 5 de Outubro, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", uma obsessão centrada na medida, assenta na
gestão continuada desta dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos
o que medimos?"
A política recente do MEC é clara, medir, medir
tudo, esquecendo um princípio que os burocratas do MEC considerarão, no mínimo,
romântico, quando se trata de pessoas, o melhor instrumento de medida que se
possa construir, continuará apenas "medir" uma amostra do que alguém
pensa, sabe, sente ou é, miúdos ou graúdos. Dito de outra maneira, os processos
educativos são em mais complexos e não cabem numa fórmula, ou conjunto de
fórmulas. Se assim fosse, não seriam necessários professores ou ... políticas
educativas que pressupõem escolhas, conhecimentos, valores éticos e morais,
etc., bastariam uns burocratas a papaguear aulas, outros burocratas a medir saberes
e uns outros a construir fórmulas de gestão num qualquer serviço central.
Está pois aberta a corrida, viciada, entre as
escolas, "on your marks".
Belíssimo e certeiríssimo depoimento que subscrevo na totalidade. Cumpriria evocar aqui a obra de Max van Manen para se perceber como nos distanciamos do que verdadeiramente avulta para o estabelecimento de uma pragmática pedagógica de sucesso, mensurável finalmente nos seus efeitos que realmente relevam.
ResponderEliminarVoltamos ao ensino para o sucesso no exame. E que fazer com os que, irremediávelmente, se furtam a tal?
ResponderEliminarIvone Melo
irremediavelmente
ResponderEliminarIvone Melo
Talvez o "velho do Restelo" te apoie.
ResponderEliminarTenta!
Pois é, no ensino básico é assim. Depois, em alguns casos, no ensino superior nem é preciso lá e tem-se um curso!! Demitimos os professores, os alunos, mas não podemos demitir os ministros.
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