AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 30 de junho de 2012

DESCRITOR: Compreender as metas curriculares

Num texto de ontem sobre as metas curriculares para o Ensino Básico, colocadas em discussão pelo MEC, sem ler os documentos, alertava para necessidade de que as metas curriculares fossem algo de orientador para o trabalho de alunos e professores, relembrei João dos Santos quando refere a importância, ainda que difícil, de trabalhar em educação de forma simples, e recordei que a anterior equipa do Ministério tinha definido para as seis áreas curriculares do 1º ciclo 225 metas de aprendizagem.
Ao ler os documentos agora disponíveis e centrando-me no 1º ciclo e nas áreas conhecidas, Português e Matemática, fiquei esmagado.
Em Português temos três domínios que no 1º ano se desdobram em 20 objectivos e 81 descritores, no 2º ano em 25 objectivos e 86 descritores, no 3º ano 29 objectivos e 104 descritores e no 4º ano em 31 objectivos e 109 descritores. Em síntese, para os quatro anos do 1º ciclo, em Português, temos 105 objectivos e 380 descritores.
No que respeita à Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.
Estas duas áreas do currículo, Português e Matemática, envolvem no total 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Como também referi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. Também afirmava, sem conhecer os textos, que estabelecer metas curriculares por ano de escolaridade induz o risco de uma leitura fechada, relembro que serão obrigatórias a partir de 2013/2014, pode levar a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Aliás, neste contexto é preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, lê-se no Público, de que estas estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Por curiosidade, dois exemplos de descritores de de Português que deverão ser “formalmente ensinados”, “Apropriar-se de novos vocábulos: reconhecer o significado de um mínimo de 150 novas palavras, relativas a temas do quotidiano, áreas de interesse dos alunos e conhecimento do mundo (exemplos de áreas vocabulares: casa, família, escola, vestuário, profissões, festas, animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras (sequências de letras que não têm significado mas que poderiam ser palavras em português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas (em 4 sessões de 15 pseudo-palavras cada)”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com 26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas, não esquecendo que ainda faltam as respeitantes às outras áreas do currículo.
Se por acaso algum ou alguns professores do 1º ciclo lerem estas notas, gostava de saber a sua apreciação ao que agora foi definido e está em discussão pública.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo.

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