De forma curiosa, nas referências do discurso
político à "austeridade" tem vindo a notar-se uma inflexão
interessante, centram-se agora na hipótese de termos mais
"austeridade", ou não.
O Presidente da República, na austera gestão das
suas intervenções, afirmou que não é possível impor mais austeridade, enquanto
o Primeiro-ministro afirma hoje no Parlamento que pode ser necessária mais austeridade. Nada
de estranho, "custe o que custar", tem que cumprir os objectivos do
negócio com a troika e os objectivos da sua própria política "over
troika", como tal, não pode assegurar que não seja necessária mais
"austeridade", sendo ainda de esperar o aumento do desemprego, por
exemplo.
Para além desta discussão, mais ou menos
austeridade, o que nos preocupa seriamente são as condições de vida que muita
gente está já a enfrentar, estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou
melhor estamos a falar do efeito das políticas na vida das pessoas.
Parece de relembrar que um estudo recente da
insuspeita, nesta matéria, Comissão Europeia que analisou a distribuição dos
efeitos dos programas de austeridade os países que experimentam maiores
dificuldades, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda, Estónia e Reino Unido,
conclui que Portugal "é o único país com uma distribuição claramente
regressiva", traduzindo, os pobres estão a pagar mais do que os ricos
quando se aplica a austeridade. Pode ainda ler-se que nos escalões mais pobres,
o orçamento de uma família com crianças sofreu um corte de 9%, ao passo que uma
família rica nas mesmas condições perdeu 3% do rendimento disponível.
Portugal é ainda de acordo com o estudo o único
país analisado em que "a percentagem do corte (devido às medidas de
austeridade) é maior nos dois escalões mais pobres da sociedade do que nos
restantes". A Grécia, que tem tido repetidos pacotes de austeridade,
apresenta uma maior equidade nos sacrifícios implementados.
Este dado parece-me extremamente relevante nesta
discussão sobre a eventual necessidade de mais "austeridade" e
mostra, de acordo com a percepção comum, que não existe equidade na repartição
dos sacrifícios.
Para além de contrariar o discurso oficial de que
existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente
insustentável é de que as políticas assumidas, por escolha de quem decide,
estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza.
Mais preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Eu sei, sabemos todos, que a questão da pobreza é
um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou
demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos
de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, um milhão de
desempregados, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se
vislumbra.
O abismo
está mais perto, não está mais longe, como Passos Coelho sustenta. A realidade
não é a projecção dos seus desejos, dramaticamente.
Perdoai-lhes Senhor
ResponderEliminarPorque eles sabem o que fazem.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Abraço
António Caroço