Hoje, sem perceber exactamente porquê, lembrei-me do circo. Devo
confessar que sempre tive, desde miúdo, uma relação ambígua com o circo. Na
verdade, muito do que me atraía nos diferentes números do circo era,
simultaneamente, o que me inquietava.
A minha lembrança foi parar ao momento alto da exibição dos
trapezistas que via com olhos muito abertos, fascinado pela coragem e perícia
daquela gente que voava e, ao mesmo tempo, assustado com medo de que as mãos do
companheiro ou a barra do trapézio lá não estivessem, naquele preciso segundo
em que nada pode falhar e o trapezista voador precisa de se segurar.
Na verdade, a vida de muitos adolescentes e jovens faz-me
lembrar o número do trapézio. Voam, de um poiso para o outro, atraídos e
alimentados pela adrenalina do risco que dá sentido a uma existência, neste
caso e frequentemente, sem sentido.
Em cada dia, aumentam o risco, em voos mais complicados e
testando os limites, os seus e os de quem os rodeia.
À sua volta, muitos ficam indiferentes, outros muitos
condenam, alguns outros inquietam-se e ainda outros muitos, também trapezistas,
aplaudem.
No circo os trapezistas voam com rede e os acidentes são
raros.
Os jovens com vidas de trapezista quase nunca voam com rede.
Os acidentes sérios são frequentes, falham os apoios que não surgem, ou não
estão as mãos de alguém que se atrasou. Já vi alguns.
Infelizmente neste circo da vida os trapezistas andam sem rede. Não há quem pense em colocá-la, nem que seja de algodão, mas que esteja lá.
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