Retomo o relatório da OCDE, Reviews of Evaluation and Assessment in Education relativo a Portugal, ontem conhecido através do Público. Parece-me oportuno sublinhar uma referência do relatório à ineficácia dos "chumbos" como melhoria da qualidade da educação, entendimento, que muitas vezes aqui tenho referido e contrário a boa parte da opinião publicada na nossa praça que defende mais chumbos através de mais exames, ou, de outra maneira, mais exames para melhorar a qualidade, algo também contestado no Relatório da OCDE e que ontem abordei.
Creio que pode ser interessante partilhar alguns dados do ano lectivo de 2009/2010. No ensino básico chumbaram 77 000 alunos e no secundário 41 500. Neste número não estão incluídos alunos que frequentam currículos alternativos. No 1º ciclo chumbam cerca de 16 000 crianças, 3,5%, metade logo no 2º ano, o que é notável. Segundo uma investigação do ISCTE, 35 % dos alunos tem Plano de Recuperação sendo que destes, 30 % acabam por chumbar. Os 7º e 9º anos do 3º ciclo têm retenções de 16% e 13% respectivamente. Portugal é um dos cinco países da UE com mais chumbos. Segundo relatório recente da Comissão Europeia, aos 15 anos 34.5% dos alunos portugueses já tinham chumbado, sendo que a média da UE a 27 é 16% e na Finlândia é menor que 3%.
Este quadro parece indiciar que reprovar mais não produz mais sucesso. Escapa-me a insistência no chumbo como forma de promover qualidade.
Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade, a questão central não é o chumba, não chumba e quais os critérios (quantas disciplinas, por exemplo) é que tipo de apoio, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Neste cenário a insistência na introdução de mais exames como panaceia da qualidade corre, do meu ponto de vista, o risco do trabalho escolar se organizar centrado na preparação dos alunos para a multiplicidade de exames que realizam, ou seja, como me dizia há tempos um professor do ensino secundário, "o trabalho com os alunos é muito interessante mas a partir de certa altura sou eu e eles contra os exames".
Esta perspectiva, mais exames como fonte de qualidade, parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, fomento da autonomia responsabilizada, etc.
A defesa de mais exames, como muitas vezes é feita, em nome do combate ao "facilitismo" corre o risco de sustentar um discurso demagógico. As referências a exigência e a rigor vendem bem, ainda que deixem de lado outros aspectos também essenciais da educação.
Um hino à lucidez!
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