Já por diversas vezes aqui tenho expresso a ideia de que boa parte dos responsáveis políticos desenvolvem a estranha convicção de que a realidade é a projecção dos seus desejos e não resistem à tentação de se enamorar por essa tentação, por assim dizer. Não é um fenómeno novo, antes pelo contrário, e os exemplos são múltiplos.
Na Assembleia da República, no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento de Estado para 2012, tivemos mais dois notáveis exemplos.
O Ministro Álvaro Pereira afirmou que 2012 seria o ano do fim da crise. Anunciar o fim da crise parece estar a fazer escola entre os Ministros da Economia em Portugal, lembram-se certamente do mesmo anúncio realizado por Manuel Pinho em 2006. Temos bem presente o que tem acontecido entretanto. O Ministro Álvaro Pereira veio posteriormente corrigir o tiro afirmando que não afirmara o que toda a gente ouviu ser afirmado, dizendo que tinha dito que 2012 será o princípio do fim da crise, seja lá isso o que for. Esta fórmula ambígua e indefinível do "princípio do fim" de qualquer coisa, também já tinha sido utilizada por Passos Coelho na Universidade de Verão do PSD ao estabelecer que "2012 será o princípio do fim da emergência nacional".
Um outro exemplo notável desta visão do mundo foi dado pelo Secretário de Estado do Emprego que afirmou durante o debate que "o salário (mínimo) não é realmente baixo", isto mesmo, 485 € mensais não representam um salário baixo. A afirmação terá provocado uma gargalhada pelo que foi considerada uma piada, caso contrário teria de ser um insulto. Ninguém que conheça minimamente as dificuldades diárias, os custos acrescidos com aumento de impostos e implicações na inflação, pode entender como se (sobre)vive sem especial esforço com 485 € por mês.
Estas afirmações coexistem tranquilamente com o anúncio de mais dificuldades como desemprego e empobrecimento, o que é extraordinário.
Às lideranças, seja de que natureza forem, exige-se lucidez e realismo, é isso que lhes confere credibilidade e promove a confiança na sua capacidade de realização. Os discursos que não resistem à tentação de torcer a realidade que todos (quase) conhecemos e torná-la aquilo que se deseja que fosse são uma prova de mediocridade política.
Não é novo, mas é grave.
Quer-me parecer que o Sr. José Morgado é o samaritano dos políticos!
ResponderEliminarChamar TENTAÇÃO à mentira pura e dura é utilizar o substantivo masculino EUFEMISMO até à última consequência.
E mais não digo além do que vai a seguir:
UM POLÍTICO QUE NÃO SEJA CAPAZ DE DISSIMULAR E ENGANAR NUNCA SERÁ UM BOM POLÍTICO.
E neste mester estamos bem servidos!...
saudações