O Público de hoje retoma, em duas peças distintas, uma matéria das que maior embaraço pode causar em sociedades actuais, a escravatura, algo de improvável no séc. XXI em países da Europa Ocidental.
Numa primeira peça, refere o processo julgado na Covilhã de crime de escravatura, o primeiro. No entanto, sabe-se que em cada algumas dezenas de portugueses, de pessoas, serem sequestradas e colocadas a trabalhar em estruturas agrícolas em Espanha. Como em todas as situações desta natureza, as autoridades estimam que os casos conhecidos sejam em número bastante inferior ao que na verdade se verifica. Sabemos também como no mundo inteiro o tráfico de pessoas se constitui como uma das áreas de mercado mais rentáveis, designadamente, no caso de mulheres para o universo da prostituição. Esta situação constituiu o conteúdo da segunda peça do Público.
Lamentavelmente, também em Portugal esta situação já não causa estranheza e as comunidades acabam por revelar alguma condescendência, pois as conhecidas casas de alterne têm existência bem visível e certamente frequência que as justifique não podendo, pois, desconhecer-se a provável situação de exploração a que muitas mulheres aí presentes estarão sujeitas.
No entanto, a escravatura para trabalho agrícola parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe, e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.
Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às escandalosas assimetrias na distribuição da riqueza.
Numa altura em que está na agenda a flexibilização das leis do trabalho, incluindo a dispensa da “justa causa” como razão de despedimento, a competitividade, a pressão sobre a produtividade e o deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral podem alimentar algumas formas de escravatura “light”, por assim dizer.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência que cai sobre este drama tornando transparentes as situações, não as vemos.
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