AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 24 de maio de 2011

E NÃO SE PODE FAZER UMA ATENÇÃOZINHA?

Segundo o último relatório da Transparency International, Portugal é um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE. No mesmo relatório sugere-se o aumento das penas para este tipo de crimes e, naturalmente, mais eficácia e empenho no seu combate. Neste contexto faz também sentido lembrar que os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção, também no âmbito da Transparency International, mostram que 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
Neste quadro parece-me importante não esquecer que a economia paralela representa cerca de 24% do PIB português, facto que, do meu ponto de vista, não deve ser desligado do fenómeno da corrupção.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "offshore" à habilidade individual da ausência de recibo no dia a dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, a do "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha". Diversas vezes aqui tenho me referido a esse "traço" da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, sentimos todos algo de muito significativo, acreditamos que não existe vontade política de combater a corrupção. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.

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