AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 7 de maio de 2011

A ATURAÇÃO

A experiência quotidiana mostra que uma das constantes no discurso dos portugueses remete para o problema do “aturar” ou, inventando, a “aturação”. De facto, a propósito das mais variadas circunstâncias do dia-a-dia, a referência ao aturar e à dificuldade ou falta de paciência para aturar, constituem uma das mais recorrentes fórmulas de descrição ou retrato da realidade. Vejamos alguns exemplos.
“Ando com uma falta de paciência para aturar as crianças, que eu sei lá!”. D. Esmeralda, empregada administrativa e mãe, entre o jantar, a novela e a cama, de duas adoráveis crianças.
“Quem devia aturá-los era a Ministra!”. Setôra Lina, tenta ser professora de inglês numa escola do 2º ciclo.
“Então uma pessoa tem que aturar esta bicha de 5 horas para marcar uma consulta só para pedir os remédios?!” – D. Maria, reformada e “graças a Deus vou andando” em part-time.
“Meu, a cena é secante bué, não dá p’aturar man! Tá-se mal”. Tójó, escolante, isto é, aluno de 8º ano que só vai à escola, não vai às aulas.
“Quando aparecem os políticos, mudo logo de canal. Um gajo já não pode aturá-los!”. Sr. Santos, empregado de café, usa o comando da TV na bandeja.
“Ainda tenho que aturar mais 7!” Dr. Marques Cansado, médico de um Centro de Saúde suburbano, ao fim da 37ª consulta.
“Já não os posso aturar com esta coisa da dívida e da crise, eu sei lá, é só desgraças, não acha!”. D. Celeste, cabeleireira no bairro, admiradora do Sr. Manuel Luís Goucha.
“Agora ainda tenho que aturar o chefe com mais calminha por causa da avaliação! Os gajos querem é correr com o pessoal e um gajo tem que os aturar” Sr. Silva, funcionário da repartição onde se compra o papel e se põe o selo.
“Tou farta de os aturar, agora o meu pai quer que eu esteja em casa antes das 9 da matina!”. Geninha, 14 anos, também escolante e amiga do Tójó e da Kátia.
“Estas medidas põem em causa os objectivos da empresa, não é possível aturar tanta falta de visão estratégica! Assim é mais difícil aceder aos prémios de gestão”. Eng. Tranquilo da Cunha, gestor de uma empresa pública deficitária.
“Não dá para aturar. Estes gajos agora até querem que passe facturas!” Zé Manel, mecânico de biscates na oficina do Licas.
E os exemplos poderiam multiplicar-se infinitamente.
Neste quadro, e porque entendo que o modelo de organização administrativa da política deve estar ao serviço dos cidadãos, proponho que, numa próxima reorganização do governo, seja criado o Ministério da Aturação com o objectivo central de implementar (tinha que ser) medidas de combate à falta de paciência e que estimulem e desenvolvam a nossa capacidade de aturar.

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